Foto: Danilo Telles/ Rádio Metropolitana
A imagem da manjedoura é reatualizada na
história contemporânea, na realidade dos refugiados; na experiência limite dos
que se encontram em situação de rua; no cotidiano de todos aqueles que
sobrevivem sob o estigma da pobreza, sofrendo a dor da fome ou mesmo a angústia
de ver seu barraco pegando fogo. A singela manjedoura marca, sob o signo da
perseguição, da opressão e da exclusão, o lugar social de nascimento do menino
Jesus.
O Natal de Jesus inaugura uma outra perspectiva
sobre a religião, mas também um novo tempo na história, apontando princípios e
valores civilizacionais. Rompendo com a visão religiosa que afirmava um Deus
distante e inacessível, um verdadeiro monarca, em Jesus menino, Deus se revela
como Emanuel, que é Deus-conosco, em uma proximidade e alteridade radicais,
unindo o humano e a transcendência. Do ponto de vista histórico, Jesus Cristo manifesta
o Deus que assume a causa do pobre, no mais estreito compromisso com a justiça
e com o direito, bases para um mundo de paz.
Sob o símbolo da manjedoura, o cristianismo
nasce contemplando as dimensões da denúncia e do anúncio, tão próprias do
profetismo judaico. A denúncia que se levanta contra uma sociedade que não sabe
acolher e reproduz dinâmicas de exclusão e abandono. Mas também o anúncio de um
novo tempo, extrapolando todas as fronteiras e limites étnico-culturais, integrando,
em um encontro cósmico, transcendência, humanidade e natureza.
Em um contexto de crise civilizacional, diante
de uma humanidade perdida, desencontrada, o que o Natal de Jesus ainda pode
ensinar? Em um cenário no qual as relações sociais são recortadas pelo ódio, por
expressões de um insuportável racismo e pela negação do outra em sua diferença,
o que o Natal de Jesus tem a dizer? Em uma conjuntura dominada pela estreiteza
do neofascismo, negando o direito e a justiça, reproduzindo formas de opressão
e exploração do povo, qual a mensagem que o Natal de Jesus apresenta? Em uma
estrutura que concentra poder e riqueza nas mãos de uma minoria privilegiada, perpetuando
uma realidade de pobreza e desigualdade social, qual o programa político que o
Natal de Jesus propõe?
Há uma perspectiva ética e política no Natal de
Jesus que não pode ser nunca esquecida, pois é a chave de leitura para a
compreensão mais profunda da revelação e mensagem cristãs. A transgressão moral
no sim da jovem Maria; o simbolismo em torno da manjedoura; o ministério de
Jesus tendo como ponto de partida a pobre e relegada região da Galileia; o
rosto humilde de discípulos e discípulas que integravam o movimento de Jesus; o
confronto com o poder religioso do Templo e também com o poder político de Roma;
o rompimento com tantas formas de exclusão. Vestígios fundamentais que revelam o
fundo ético e político do movimento de Jesus. Tudo indicando que, ao assumir a
condição humana, na encarnação do Deus menino, há uma escolha ética e política,
definindo o lugar de Jesus Cristo no mundo: ao lado dos pobres. Diante de
tantas evidências teológicas, na hermenêutica histórica do movimento de Jesus, é
que a Igreja na América Latina explicitará sua opção preferencial pelos pobres.
É Natal! A humanidade é novamente chamada a se reinventar, a redescobrir a profundidade da experiência do menino Jesus na manjedoura. Há um discernimento ético e político que precisa ser feito, não é possível mais fugir dele. A manjedoura é o lugar hermenêutico capaz de revelar a radicalidade do cristianismo. Lá no momento em que a transcendência abraça a humanidade e a natureza, a estrela apontou o caminho da manjedoura, não de algum esplendido palácio. No contemporâneo, a mesma estrela, reatualizando o Natal do menino Jesus, continua a guiar para a senzala, nunca à casa grande; para a comunidade de favela, nunca para os condomínios de luxo. A sociedade deve ser reconstruída, na perspectiva da paixão do pobre, inaugurando o tempo da graça, da plena justiça. Essa é a esperança do Natal, sob o signo da manjedoura.
Prof. Adelino Francisco de Oliveira
Professor no Instituto Federal, campus Piracicaba
Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião
@Prof_Adelino_
professor_adelino