Foto: Arquivo Pessoal
Rapidamente, vou escrever sobre um tema cuja raiz remonta à colonização do Brasil e nos envergonha aos olhos de Deus e do mundo civilizado. Dissertaremos sobre a revelação, no último domingo, pelo jornalismo da TV Globo no programa “Fantástico”, que acompanhou as operações no Ministério Público do Trabalho ao flagrar 270 (duzentos e setenta) homens, em Minas Gerais, submetidos a trabalho análogo à escravidão.
É notadamente
transparente que o trabalho em condições análogas as de escravos constitui-se
ato dos mais repugnantes da humanidade, os que se aproveitam dessa fragilidade
dos sistemas, exploradores frente a um ambiente comercial disputadíssimo, na
redução de custos de produção e, por consequência, na majoração de seus lucros
e na busca de atender às necessidades do mercado. Esses objetivos de certos “empregadores”
buscam melhorar seus lucros sacrificando os empregados, promovendo uma série de
cortes nas condições laborativas, incluindo os instrumentos de trabalho,
alimentação, moradia, salários, entre outros, ou seja, os direitos fundamentais
e a dignidade dos trabalhadores são afetados em prol dos lucros.
Trabalhar nessas
condições submete, certamente, o trabalhador a situações nas quais não podemos
falar em dignidade humana, tamanha a deploração de vida. Nesse contexto, a
redução do homem à condição análoga à de escravo é totalmente contrária aos
ditames do princípio da dignidade humana, bem como das normas e tratados
celebrados.
Formalizado pela OIT,
em 1999, ano de início das minhas atividades nas Comissões Normativas da OIT, o
conceito de trabalho decente sintetiza a sua missão histórica de promover
oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de
qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana,
sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução
das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o
desenvolvimento sustentável.
Em abril 2014, entreguei
ao presidente da Câmara Municipal de Piracicaba documento assinado pelo próprio
presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que o Brasil consagrava definitivamente
seu compromisso mundial diante das 167 nações signatárias deste tratado. No
documento, Lula encaminha essa conquista ao povo Piracicabano direto do Palácio
das Nações, em Genebra-Suíça, por minhas mãos.
Passados vinte anos,
nos deparamos com os mesmos métodos, utilizados por empresários inescrupulosos
que não respeitam a vida e a dignidade das pessoas (domingo, 30 de janeiro de
2022). O flagrante de constatação do
MPFT e Polícia Federal é divulgado pela mesma rede de televisão que mais
arrecada com o agronegócio (“Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”). Lamentável
coincidência, mas o Brasil depende das exportações, porém somos uma colônia
condenada a produzir commodities, quando poderíamos aperfeiçoar nossos
parques industriais e oferecer ao mundo a matéria prima industrializada, pronta
e embala para uso e consumo, gerando empregos, renda e vida digna ao nosso
povo.
Posto isso,
caracterizar esse tipo de trabalho é fundamental para não perdermos essa
temática, principalmente como ela é desenvolvida no Brasil, uma vez que, após
131 anos da aprovação da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, encontram-se
frequentemente casos de trabalho em condições análogas à escravidão. O conceito
do artigo 149 do Código Penal Brasileiro, diante da nova redação dada pela Lei
10.803/2003, vem prevalecendo na doutrina e nos Tribunais. Dessa forma, o
trabalho escravo contemporâneo é configurado apenas se verificada a ofensa ao
direito de liberdade.
Ainda assim, tal
conceito não é satisfatório, uma vez que a constatação da prática escravista
frente aquilo estabelecido é de difícil entendimento, principalmente pelo fato
de os exploradores utilizarem-se de meios fraudulentos para desviar do imposto
pela norma, bem como para tentar iludir as ofensas aos direitos fundamentais e
a dignidade.
Pois bem, conceituar e caracterizar o trabalho escravo, bem como demonstrar as formas utilizadas para erradicação e como se encontra o cenário atual no Brasil são os objetivos deste artigo. É de extrema importância ressaltar que tal discussão não tem como fim uma conclusão objetiva, mas sim uma análise das alterações ocasionadas pela evolução jurídica e social.
A Constituição Federal
de 1988 ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos em garantia ao
respeito e à valoração de homens e mulheres: o princípio da dignidade da pessoa
humana é um dos princípios constitucionais elencados como fundamento do Estado
Democrático de Direito Brasileiro, no inciso do art. 1º da Constituição.
Invocado em diversos dispositivos legais e na atividade judiciária, tem por
objetiva a garantia da vida digna, embora não possua um conceito objetivo.
O principal fundamento
dos Direitos Humanos é a garantia da dignidade humana. Todos os seres humanos
devem ter reconhecido seu direito a ter direitos (saúde, educação, emprego,
moradia, saneamento básico, justiça etc.). Portanto, violências no campo
físico, moral, psíquico, social e cultural são inaceitáveis.
Por derradeiro vejamos
que, somente no Estado de São Paulo, em 2021, foram resgatados 47 trabalhadores
em situação análoga à escravidão. Em 2020, foram resgatados 16 trabalhadores
nessas condições. No Brasil, em 2021, quase duas mil pessoas foram resgatadas
de locais onde as condições de trabalho eram análogas à escravidão.
Dissemos que, na semana
passada, em Minas Gerais, auditores fiscais encontraram mais de 270 pessoas
trabalhando em situação degradante. As vítimas do trabalho escravo no Brasil
têm um perfil definido: quase metade delas são nascidas no Nordeste e pelo
menos 80% dos resgatados se declaram pardos ou pretos.
Lamentável a degradação
das instituições e do povo brasileiro durante este governo que aniquilou direitos
do povo trabalhador e ataca veementemente o sindicalismo que por oitenta (80)
anos ajudou a construir uma democracia sólida com o mínimo de garantias aos que
laboram na construção deste país.
José Osmir Bertazzoni (63), Advogado e
Jornalista.
E-mail: osmir@cspb.org.br
José Osmir Bertazzoni
Publicação: Enzo Oliveira/ Radialista Redator RMPTV