Foto: Arquivo Pessoal

O Papa Francisco, em reunião com especialistas italianos vinculados à Receita Federal daquele país, fez uma explanação que nos pareceu importante para alinharmos também as ideias que devem ser prevalecentes no sistema brasileiro, mas que ninguém vê ou esclarece. Parte do nosso povo vive na mais profunda miséria, isso é inexplicável para um país que já chegou a ser a sexta economia.

Lembro-me quando, ainda jovem, o Ministro da Economia do Regime Militar, Delfin Neto, em seus discursos de antítese à miséria do povo fluía como tese: “crescer primeiro, para distribuir depois”. Quarenta anos se passaram, nenhuma das riquezas foram distribuídas ao povo, de nenhuma forma, estamos piorando nossas diferenças sociais ano a ano — os mais ricos ficam cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres.

As reformas previdenciárias e trabalhistas retiram direitos dos trabalhadores que se constituíam em uma distribuição minimamente justas aos nossos trabalhadores. Com a atual frente parlamentar eleita por nosso povo e o governo central (presidente Bolsonaro), estamos regredindo dia a dia, chegando ao momento em que a morte pela Covid-19, previamente anunciada e ignorada por eles, levou quase 700 mil brasileiros para a armadilha da morte. Está exemplificado pela história que, durante a crise europeia no início do século XX, países como Itália, Espanha, Japão, Alemanha e o próprio Estados Unidos, durante a guerra da secessão, mandaram seus miseráveis para o Brasil. E o Brasil, o que fazer com seus miseráveis? Bolsonaro encontrou a solução: deixar morrer para aliviar os custos do Estado com previdência e outras obrigações, assim se livra, sem transtornos, de seus miseráveis.

Por isso, o tema tratado pelo Papa Francisco é relevante, adentra a importância da tributação como mecanismo de redução das desigualdades e assim discorre: “Quando se trata de tributação não existe apenas a evasão fiscal, que é ‘uma praga’, mas também o comportamento correto de muitos contribuintes.” O Papa Francisco disse isso em audiência com a Receita Federal Italiana e falou também sobre a propriedade privada. “Seu trabalho parece ingrato aos olhos de uma sociedade que privilegia a propriedade privada como absoluta e não a subordina ao estilo de comunhão e partilha para o bem de todos, pode-se dizer a honestidade de muitas pessoas que não fogem ao seu dever, que pagam suas dívidas contribuindo assim para o bem comum. A praga da evasão fiscal é respondida pela simples honestidade de muitos contribuintes, e isso é um modelo de justiça social. "

“A imparcialidade do vosso trabalho” — prosseguiu o Papa falando aos homens e mulheres das autoridades fiscais — “afirma que não há cidadãos melhores do que outros com base na sua pertença social, mas que todos são reconhecidos como tendo a boa-fé de serem leais construtores da sociedade. Há um 'ofício do bem comum' que deve ser narrado, porque as consciências honestas são a verdadeira riqueza da sociedade”.

O Papa destacou também que a transparência no uso do dinheiro público ajudaria a entender o valor da tributação. "O fisco é muitas vezes visto de forma negativa, se você não entende onde e como o dinheiro público é gasto. Você corre o risco de alimentar suspeitas e descontentamento..."

Para o Papa, "a transparência na gestão do dinheiro, que vem do sacrifício de muitos trabalhadores e trabalhadoras, revela a liberdade de espírito e capacita as pessoas a serem mais motivadas a pagar impostos, especialmente se a cobrança de impostos ajuda a superar as desigualdades, a tornar investimentos para que haja mais trabalho, para garantir saúde e educação para todos, para criar infraestruturas que facilitem a vida social e a economia.”

Na contramão da construção brasileira levada a cabo por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Luiz Inácio Lula da Silva, os trabalhadores brasileiros deixaram de ser importantes para o Brasil, o agronegócio tomou a importância do povo, pois seu uso da terra e da propriedade, seu descaso com os trabalhadores (trabalho análogo à escravidão), a mecanização e automação da produção agrícola sem uso da mão de obra humana tornou-se um perverso sistema contra os trabalhadores e o povo brasileiro. Poucos, muito poucos, se enriquecem, outros ficam na miséria absoluta, visto que a produção agrícola tem como foco o mercado exportador e não a alimentação da nossa gente.

Dramática, talvez, a minha visão, mas vejam que cinco (5) famílias brasileiras são detentoras de mais de 70% das riquezas nacionais e, diante de uma pandemia, os governos não conseguem agir de forma a minimizar tanto sofrimento aos pequenos e médios investidores e aos trabalhadores. E estes ainda acreditam em um “santo salvador messias da pátria”, enquanto rolamos abismo abaixo, sem perspectivas de quaisquer melhoras em nossas sobrevivências e em que país deixaremos para os nossos filhos.

José Osmir Bertazzoni (63), Advogado e Jornalista

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