Foto: Fabrice Desmonts
Membros da equipe de fiscalização do contrato com a Mirante prestaram um
total de seis horas de depoimentos à CPI do Semae nesta quinta-feira (24).
Aplicação de penalidades à empresa Mirante está sujeita à avaliação do
Poder Executivo.
Após cerca de seis horas de
depoimentos, os membros da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) formada na
Câmara Municipal de Piracicaba para apurar possíveis irregularidades no Semae
(Serviço Municipal de Água e Esgoto) se surpreenderam com a informação de que a
aplicação de penalidades à empresa Mirante está sujeita à avaliação do Poder
Executivo. A questão foi apontada por uma das testemunhas convocadas para
responder aos questionamentos dos vereadores, em reunião realizada nesta
quinta-feira (24). Através de uma PPP (Parceria Público-Privada), a Mirante
assumiu a execução do sistema de saneamento do município em 2012, cujo contrato
é um dos pontos sob análise da CPI.
Foram convocados quatro membros da equipe multidisciplinar responsável
pela fiscalização do contrato e que atuam na direção de Finanças, do
Departamento de Tratamento de Esgoto e diretoria Administrativa da autarquia.
Em função do tempo que levaram os três depoimentos, a diretora Jurídica da autarquia
foi dispensada. Todos fazem parte da equipe de fiscalização. Os depoentes não
autorizaram a divulgação de seus nomes e imagens.
“Quem faz a gestão do contrato é o Semae, mas a definição das
penalidades fica sob a discricionariedade do prefeito”, considerou a presidente
da CPI, vereadora Rai de Almeida (PT). “O contrato estar nas mãos do prefeito
traz à luz uma questão que estava obscura. Isso é uma disfunção. A autarquia
deveria ter o dever de aplicar as penas”. Além dela, fazem parte da CPI o relator
Anilton Rissato (Patriota) e o membro Thiago Ribeiro (PSC).
Através dos depoimentos, a CPI observou que os membros da equipe de
fiscalização fazem relatórios periódicos, nos quais apontam as eventuais
irregularidades identificadas na execução do contrato, mas não têm acesso a
informações sobre a efetiva aplicação de penalidades e multas à Mirante. Desde
o início da PPP, todos os meses a equipe produz relatórios da fiscalização que
são encaminhados à presidência do Semae e ao gabinete do prefeito. No entanto,
nenhum dos depoentes soube especificar se foram aplicadas multas ou se
efetivamente houve entrada de recursos no caixa da autarquia provenientes
dessas infrações.
Apesar de possuírem funções técnicas inerentes ao serviço, todos os
depoentes declararam que não participaram dos estudos que concluíram pela
concessão do serviço e nem mesmo da elaboração do edital da licitação que
culminou com a contratação da Mirante, em 2012. “Foi uma decisão que veio de
cima para baixo”, concluiu Rai. “As cláusulas desse contrato já vieram prontas
e não houve a participação nem mesmo de quem estava ligado à área.”
Pelos depoimentos, os vereadores observaram que a atual equipe de
fiscalização não dá conta do acompanhamento efetivo do um contrato tão amplo
como o da Mirante. O contrato conta com 250 volumes de documentos, que precisam
ser analisados por um grupo de cinco pessoas. “A fiscalização é feita por
gestores de diferentes serviços, cada um observa a sua área de atuação e ainda
acumula as funções inerentes aos cargos que ocupa. Embora essa equipe tenha
procurado fiscalizar, não dá conta diante do volume de trabalho e a
fiscalização fica a desejar”, afirmou a vereadora.
Os depoentes declararam que já solicitaram à presidência do Semae a
designação de uma equipe exclusiva para fiscalização da Mirante e também
instrumentos para garantir um trabalho mais efetivo, mas ainda não foram
atendidos.
Fiscalização – De acordo com a presidente da CPI, um dos
pontos críticos é a ausência de uma fiscalização da rede de esgoto. Foi nas
redes que a CPI identificou pontos de extravasamento e descarte irregular de
resíduos nos corpos d´água da cidade.
O Departamento de Tratamento de Esgoto é responsável apenas pela
aferição do serviço prestado pela Mirante a partir do que é constatado nas 24
ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) e 62 EEEs (Estações Elevatórias de
Esgoto), que são todas vistoriadas em intervalos de 15 dias. O setor é composto
por apenas três funcionários e faz o acompanhamento da vazão do esgoto nas
estações, além da coleta e análise da carga orgânica após o tratamento por
amostragem.
O acompanhamento ainda está sujeito aos relatórios que são produzidos
pela própria Mirante para avaliar a execução efetiva do serviço. No depoimento,
o diretor do departamento admitiu que não é possível conferir número a número e
que é necessário confiar nos relatórios apresentados pela Mirante. No entanto,
ele garantiu que a metodologia é a mesma utilizada por outros órgãos de
fiscalização, como a Cetesb e a Ares-PCJ.
O depoente ainda explicou aos vereadores que a Mirante apresentava
planilhas com as medições do volume de esgoto produzido e tratado. No entanto,
por causa das infiltrações de água e lençóis freáticos, que influenciavam na
medição do volume, geralmente essa conta costumava ultrapassar os 100% de
tratamento em relação ao que era coletado de esgoto. Ele explicou que solicitou
uma alteração na metodologia e passou a comparar o número de ligações
existentes com o volume de esgoto efetivamente enviado para as estações. Com
isso, o índice oficial de tratamento de esgoto atualmente está em 99,8%.
Quanto à questão financeira, o depoente garantiu que não há prejuízos ao
Semae, já que a Mirante recebe repasses referentes ao esgoto faturado – medição
que é feita pela própria autarquia nos hidrômetros – e não ao esgoto tratado.
“A aferição do percentual de esgoto efetivamente tratado tem que ser revista”,
avaliou Rai. “Precisamos apontar um dispositivo técnico para que seja adotada
uma metodologia diferente. É a fiscalização da rede esgoto, de campo, que vai
nos ajudar a fazer um diagnóstico porque temos visto que nem tudo que é
coletado é tratado.”
A presidente da CPI disse que é possível pressupor, até o momento, que
houve um esvaziamento da função de fiscalização de campo no Semae desde que a
Mirante assumiu o serviço de esgoto.
Sucateamento – Para a parlamentar, com os depoimentos e após
o trabalho desenvolvido até agora pela CPI, ficou demonstrado que o Semae
passou por um processo de sucateamento com vistas à privatização do serviço de
água. A diretora administrativa deixou claro em seu depoimento que a força de
trabalho em todos os setores do Semae está deficitária.
Atualmente, a autarquia conta com 486 servidores, com idade média
superior a 45 anos. Há 15 anos, eram 600 funcionários. Ao levar em conta o
crescimento da população, do número de loteamentos e ligações de água e esgoto,
o serviço cresceu, mas a mão de obra responsável diminuiu. De acordo com a
depoente, está em fase de conclusão um concurso público para a reposição de
servidores.
Outra explicação dada por ela no depoimento é que não houve problemas
para a realocação de servidores após o início da operação do esgoto pela
Mirante, já que havia essa defasagem de mão de obra. Todos foram transferidos
para a operacionalização do sistema de abastecimento de água. A diretora
admitiu que os funcionários retirados do departamento de esgoto mantiveram o
adicional de insalubridade nos últimos anos, apesar de não trabalharem mais no
setor, e que o benefício foi retirado apenas na atual gestão.
“Pressupõe-se que havia uma pretensão por parte da gestão anterior em
sucatear o Semae para depois privatizar”, avaliou Rai. “Os gestores costumam
minar, reduzir os investimentos, apostando na ineficiência dos serviços
públicos para justificar a privatização. Mas os serviços privatizados têm
trazido problemas para a população, com um custo altíssimo e ineficiência.”
A CPI do Semae vai retomar os depoimentos na próxima semana, em 3 de março, com a convocação da atual e o ex-integrantes da diretoria do Departamento de Água e o responsável pelo Setor de Fraudes e Perdas da autarquia.
Publicação: Danilo Telles/ Jornalista RMPTV