Foto: Arquivo Pessoal
Hoje, venho a este respeitado Jornal A Tribuna Piracicabana para escrever essa crônica da cama em que me recupero do acidente que me fez parar, ainda estou na minha cidade, trabalhando agora remotamente, para não deixar de produzir o resultado do que aprendi durante minha vida acadêmica.
Minha casa é marcada
pela presença do Rio Piracicaba, ladeado por áreas verdes e parques às margens
das águas que correm em busca do Rio Tietê.
Nasci no Bairro da
Paulista, onde ouvia todos os dias o tilintar nervoso dos rodeiros do trem
friccionando sobre o metal duro dos trilhos, pegava o bonde na estação para ir
até o Colégio Piracicabano, onde estudei por algum tempo e, anos depois de ter
visto esta escola se transformar em universidade, também comemorei e nela me
formei, por isso sou um unimepiano.
Não poderia haver
algo mais poético do que ser moleque e, do bebedouro de cavalos que ficava em
frente à Estação da Paulista, espirrar água pressionando as torneiras com a mão
para molhar os passageiros do bonde, que era aberto.
Zé Pessato, o
motorneiro, gritava “o que é isso molecada?” e o cobrador, Seo Calazans, já não
tinha tanta paciência e não nos poupava palavrões. Assim, doce e ingênua, era a
nossa cidade. “Quem foi o moleque que colocou pedra no trilho do trem?”
perguntava minha mãe, e nós, caladinhos, não falávamos nada. Quantas surras de
ramo de bambu não tomei por aventurar-me a pular do trampolim próximo ao Largo
dos Pescadores? Não me lembro, mas estou certo de que foram muitos.
Meu “nonno”, Pietro
Bertazzoni, que Deus levou muito cedo, aos 62 anos, nos reprimia por comer suas
ervilhas, e minha “nonna” Emília nos dava uns “sapecões”. Esses por parte de
pai.
Por parte de mãe, meu
“nonno” se chamava Ernesto Guastalli e a “nonna” Giosephina D’òrio, todos
italianos imigrantes e trabalhadores, salvo Pietro, imigrante com os pais, que
era professor e um “escrevente de cartas” para a maioria dos italianos que eram
analfabetos e somente conseguiam se comunicar com seus familiares na Itália
através de suas cartas.
“Sono nato in queste
colline di Piracicaba”,
criado com duas culturas diferentes, representado na sede da Società
Italiana di Mutuo Soccorso, SIMS, que ainda resiste ao tempo, na Rua Dom
Pedro I, próximo ao Mercado Municipal. Dentro de seu salão nobre havia dois
grandes nomes destas duas culturas, no lado direito de quem entra, os afrescos
pintados por Alfredo Volpi retratam Pedro I do Brasil, nosso Imperador, e
Giuseppi Garibaldi, o grande lidador italiano que lutou em duas guerras, a dos
Farrapos, no Rio Grande do Sul, e da Unificação italiana, que eliminaria os
feudos e transformaria a Itália em uma Nação Unificada e Soberana.
Assim foi minha
infância e juventude, com nomes lendários da cultura italiana, encimado por
Michelangelo e Canova, seguido de Rialto e Prosecco; e fechando com San Marco e
Romeo & Giulietta. Nestas nossas plagas brasileiras, convivíamos com a
Jovem Guarda de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Vanderléa, Antônio Marcos,
Vanderlei Cardoso e nossos poetas e intelectuais, como Machado de Assis, Carlos
Drummond de Andrade, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice
Lispector, Cecília Meireles e tantos mais.
No Futebol, relembro
que um filho de Piracicaba é campeão do mundo por duas nações, José João
Altafini — mais conhecido no Brasil como Mazzola (nascido em Piracicaba, 24 de
julho de 1938). Acumulou outros títulos durante os vinte anos que jogou futebol.
Mazzola conquistou vários títulos. Campeão Mundial pela seleção brasileira, em
1958. Campeão italiano pelo Milan, em 1959, 62 e 68. Campeão pela Juventus de
Turim, em 1972 e 73. Campeão da Recopa pelo Milan, em 1968. Campeão dos
Campeões pelo Milan, em 1969.
Voltemos ao Rio
Piracicaba, conhecido em todo Brasil com poemas e músicas referendando essas
águas que correm em frente a minha casa, com quem vivo todos os dias há 63 anos
e nunca deixarei de amá-lo — pergunta minha razão, mas meu coração não responde
senão com o encantamento com a cor verde das águas que correm em grandes
extensões da sua foz, nas Minas Gerais, até desaguar no Rio Tietê, de onde,
juntando com outras águas e rios, vai desaguar no Rio da Prata (Argentina) e no Oceano Atlântico.
Passò quella notte:
era necessario tacere e andare avanti!
Intanto dagli amanti del fiume,
la dolce e leggera gioia delle acque,
Era un presagio dolce e lusinghiero.
Il Piave mormorò:
"I fascisti non sono passati!"
De todos os lados que enxergo, o Rio Piracicaba, que é um personagem desta nossa história e de nossa vida, pois é testemunha de um clima que nos guia para o futuro, é condição para tornar rica e forte a cidade, o país e seus cidadãos.
Recordando um poema
de Gabrielle D´Annunzio, um dos mais famosos da Itália, relembro como ele
sintetizou o seu sentimento nacionalista na frase que tomou como seu lema, a
incitação que Pompeu fez aos seus marinheiros e que se tornou também num dos
motes do fascismo, que enganou, iludiu e matou o povo italiano e hoje vive
dentre nós brasileiros:
“Navigare necesse, vivere non est necesse.”
Essa
frase, que D’Annunzio cita nos primeiros versos de “Laudi del cielo, del mare,
della terra degli eroi”, é utilizada por Fernando Pessoa, considerado como o
maior escritor da língua Portuguesa, em vários dos seus poemas e textos.
Encerrando, resta-me
somente agradecer ao Bom Deus por ter me dado duas pátrias amadas, primeiro o
Brasil e, juntinho ao coração, a Itália.
José Osmir Bertazzoni (63), Advogado e Jornalista.
E-mail: Osmir@cspb.org.br