Foto: Guilherme Leite - MTB
Em
diligência na tarde da última sexta-feira (11), Comissão Parlamentar de
Inquérito encontrou mais quatro pontos de despejo irregular de esgoto na cidade
A ponte Irmãos Rebouças, mais conhecida como “Ponte
do Mirante”, é um dos pontos históricos e turísticos mais importantes de
Piracicaba. Considerada a primeira ponte em concreto armado do Brasil,
inaugurada em 1875, fruto do projeto de um engenheiro negro[1], é nela também
que está localizado o elevador turístico “Alto do Mirante”, espaço que
proporciona uma vista ímpar da cidade e do rio que a ela empresta seu nome.
No entanto, para
além da beleza cênica do local, o que também chama a atenção das pessoas que
transitam nas imediações da ponte, no cruzamento das avenidas Armando de Salles
Oliveira e Renato Wagner, é um nauseante cheiro de esgoto.
O odor se torna
ainda mais forte à medida em que os vereadores e demais pessoas que acompanham
a diligência da tarde da última sexta-feira (11) da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) que analisa possíveis irregularidades nos serviços de água e
esgoto na cidade, a chamada CPI do Semae, descem o barranco do rio e chegam
debaixo da ponte do Mirante, onde o ribeirão Itapeva deságua no Piracicaba.
Instaurada na
Câmara Municipal de Piracicaba em junho de 2021, a CPI do Semae é presidida
pela vereadora Rai de Almeida (PT) e conta com os trabalhos parlamentares do
vereador Anilton Rissato (Patriota), como relator, e de Thiago Ribeiro (PSC),
na condição de membro.
Itapeva - “Quero ser
como o riacho Itapeva, que nasce e morre em Piracicaba”, diz a frase do
advogado piracicabano, já falecido, Jacob Diehl Neto, em alusão ao ribeirão
cuja nascente e foz estão localizados dentro do município, e hoje corre
canalizado embaixo da avenida Armando de Salles Oliveira.
A magia das
palavras que louvam a cidade do passado, no entanto, contrasta com as águas
cinzas e espessas lançadas pelo Itapeva do presente, que se misturam às do rio
Piracicaba e formam uma piscina de dejetos que a todo momento se
desprendem do fundo e sobem borbulhantes à superfície:
“Isso, na verdade,
são fezes humanas em decomposição. O esgoto que vem do Itapeva não tem fluidez,
pois ele é “estrangulado” pelo rio Piracicaba. Essas fezes vão se precipitando
no leito e, depois, essa matéria orgânica recebe oxigênio e começa a flutuar, e
aí vai se formando essa espécie de piscinão de esgoto ”, explica José Carlos
Magazine, chefe da divisão regional Pauliceia do Semae (Serviço Municipal de
Água e Esgoto).
“É um misto de
revolta, de angústia, de indignação e, principalmente, de tristeza. Nós estamos
em uma das áreas mais nobres da cidade, ao lado do Clube de Campo, e com
certeza as autoridades e pessoas que detêm o poder econômico, frequentam essa
região aqui. Elas sentem o odor lá de cima, lá tem o Mirante, onde se vê uma
paisagem maravilhosa do rio, mas elas não chegam até aqui embaixo para ver o
esgoto a céu aberto que corre nos nossos mananciais, infelizmente já bastante
comprometidos. É lamentável o que estamos vendo”, diz a vereadora Rai de
Almeida.
O sentimento é
compartilhado por Thiago Ribeiro, que fala à equipe de reportagem ao mesmo
tempo em que se equilibra em uma pedra que sai do encontro das águas do Itapeva
com o Piracicaba: “o sentimento é de tristeza, de estar aqui embaixo de um dos
principais pontos turísticos da nossa cidade e sentir esse forte odor. A
fedentina é pesada! Então, não é falácia, não estamos falando da boca para
fora, nós estamos constatando e mostrando ao piracicabano, que paga mensalmente
a tarifa, o desserviço do contrato com a atual gestora do esgoto da nossa
cidade”.
Desde junho de
2012, a coleta e tratamento de esgoto na cidade de Piracicaba são realizados
por uma empresa contratada por meio de uma parceria público-privada firmada com
o Semae, a Mirante.
Início do fim – Durante
a diligência, a Comissão Parlamentar de Inquérito também identificou o despejo
de esgoto na Avenida 31 de março, na altura do número 1175, na região da
Paulicéia. Lá, fartos litros de uma água fétida desaguam no canal que
divide as duas pistas da avenida e, mais à frente, desembocam na Armando de
Salles Oliveira, ou seja, no Itapeva.
“O esgoto está
sendo jogado na cara da população, e o poder público está sendo omisso, pagando
com recursos públicos uma fortuna para uma empresa que era para fazer esse
trabalho. Está na cara dela e ela não está vendo isso?”, questiona Rai de
Almeida.
“Não é apenas neste
local, são inúmeros pontos de despejo de esgoto ao longo da avenida, onde
basicamente começa o Itapeva. O correto seria existir um coletor tronco para
recepcionar esse esgoto dos dois lados da pista e o jogar por gravidade para a
Estação de Tratamento da Ponte do Caixão”, diz Magazine.
Thiago Ribeiro
lembra que o local é também palco de alagamentos: “além das enchentes que vemos
por aqui, estamos em uma área considerada central, e mesmo assim vemos esgoto
correndo a céu aberto”.
Mais esgoto – A CPI também
vistoriou na tarde de sexta-feira (11) outros pontos irregulares de despejo de
esgoto. Desta vez, em locais não tão evidentes quanto os anteriores.
Um destes pontos
foi na região da Paulicéia/Vila Cristina, na altura do número 3300 da rua
Benjamin Constant, em um terreno que fica ao lado de um supermercado. Para se
chegar até ele é preciso adentrar no mato cerrado, desviar do entulho
fartamente espalhado pelo chão - repleto de cacos de vidros e de outros
materiais cortantes-, tomar cuidado para não tropeçar nas galinhas que ciscam
indiferentes em meio à sujeira, e descer um barranco bastante íngreme.
De lá é possível
avistar quatro grossos canos. Segundo Magazine, o primeiro deles é para a água
das chuvas, o segundo é de uma nascente e os outros dois são de esgoto. “Esse
esgoto vem da Paulista, da região da avenida 23 de maio, da Raposo Tavares, e
da favela do Mafe”, acrescenta.
Ainda segundo o
servidor do Semae, é provável que haja algum problema na rede de coleta do
bairro, algum entupimento na rede, e o "extravasor", que é uma
espécie de válvula de emergência, que só deveria se abrir quando há uma vazão
maior do que a comportada pela tubulação de esgoto, fica constantemente aberto.
“O que nós temos acompanhado
é o lançamento de esgoto nos nossos mananciais e nas nossas matas ciliares, o
que conota um crime ambiental. Com certeza o fato de estar em um lugar de
difícil acesso, isso facilita sobremaneira as falcatruas que vem sendo
cometidas. Embora seja um lugar de difícil acesso, quando nós temos vontade de
fazer as coisas acontecerem, a gente vai atrás e toma as medidas cabíveis”,
disse a presidente da CPI.
“Existe um contrato
feito com a concessionária e, como vocês podem ver aqui, ele não vem sendo cumprido.
A cidade esperou muitos anos a abertura desta CPI, e espera de nós, da Câmara
como um todo, um posicionamento definitivo para isso. A população paga
mensalmente a tarifa de esgoto, então ela não é obrigada a sentir o cheiro e
ela não é obrigada a ver isso aqui”, acrescentou Thiago Ribeiro.
Direto no
Piracicaba - O último ponto visitado pela Comissão foi no bairro Santa Rosa, num
local onde o esgoto é jogado diretamente no rio Piracicaba. Para chegar
até lá, os vereadores, técnicos, fiscais do Semae e assessores parlamentares
andam pela lateral inclinada do pontilhão que dá acesso ao bairro e, na
sequência, pulam um muro baixo que dá na altura da cintura.
Alguns passos à
frente e já é possível avistar o rio Piracicaba em toda a sua vastidão, de uma
margem à outra, ambas repletas de vegetação. E é em meio à vegetação que cresce
da margem esquerda que é possível avistar um largo tubo que despeja em mais um
ponto do rio a caraterística água cinzenta e fétida, à qual todos os que
acompanham as diligências da CPI estão acostumados.
De acordo com José
Carlos Magazine, o esgoto neste ponto vem de um extravasor instalado
diretamente no coletor tronco do Santa Rosa, que conduz os dejetos do bairro
para a estação de esgoto do Capim Fino: “esse esgoto tem que ser todo
canalizado para a estação. Na verdade, era para ser uma linha virgem, ela não
pode ter nenhum ponto de extravasamento, nenhum tipo de sangria, de forma
alguma. Tem que ser tudo fechado, tem que ser levado exclusivamente para a
estação", afirma.
Próximos passos - Segundo
Rai de Almeida, a CPI do Semae deve apresentar um relatório final até o dia 18
maio deste ano.
“Nós vamos montar e
apresentar esse relatório e queremos dar continuidade junto às esferas acima
para que a gente dê segmento em relação ao descumprimento do contrato de
parceria público-privada na cidade de Piracicaba”, acrescenta Thiago Ribeiro.
“Nós, enquanto CPI, estamos apurando essas possíveis irregularidades, que a gente pode até dizer que não são mais possíveis, são irregularidades de fato, são reais. Nós vamos agora nos deter ao relatório final, mas eu acredito que os meus pares e eu temos um caminho muito claro do que nós vamos concluir. Eu acho que a gente já tem claro o resultado final”, conclui a vereadora.
Publicação: Enzo Oliveira/ Radialista Redator RMPTV