Foto: Guilherme Leite

Semae contratou auditoria e deverá solicitar revisão do contrato, com possibilidade de pedido de caducidade da PPP. 

Presidente do Semae, Maurício de Oliveira, aponta para revisão do contrato com a Mirante por descumprimento.


Maurício de Oliveira, presidente do Semae - Foto: Guilherme Leite

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) formada na Câmara Municipal de Piracicaba para apurar possíveis irregularidades no Semae (Serviço Municipal de Água e Esgoto) concluiu nesta quarta-feira (13) a fase de tomada de depoimentos e parte agora para a elaboração do relatório final das investigações. A última oitiva foi com o presidente da autarquia, Maurício André Marques de Oliveira, que ratificou várias suspeitas levantadas até o momento pela comissão.




Presidente da CPI Rai de Almeida (PT), na oitiva com Maurício de Oliveira - Foto: Guilherme Leite

Ele confirmou o descumprimento do contrato de PPP (Parceria Público-Privada) pela empresa Mirante, que faz o gerenciamento do esgoto na cidade desde 2012. Ele ainda apontou para a necessidade de revisão do contrato, inclusive com a possibilidade de solicitação de caducidade da parceria. A CPI é composta pelos vereadores Rai de Almeida (PT), presidente; Anilton Rissato (Patriota), relator; e Thiago Ribeiro (PSC), membro. Também participaram da reunião nesta quarta-feira (13) os vereadores Ana Pavão (PL) e Cássio Luiz, o "Fala Pira" (PL), que fizeram questionamentos ao depoente.

Para Maurício de Oliveira, um dos principais problemas da PPP é que o controle da hidrometria ficou a cargo da Mirante, que ainda é responsável pelo combate a fraudes. A hidrometria é justamente a caixa registradora do Semae, já que o pagamento da Mirante é calculado com base no volume de água fornecido para todas as instalações da cidade. Pelo contrato, a empresa deveria executar a troca dos hidrômetros das 183 mil ligações ativas a cada cinco anos, o que não foi feito. Segundo o presidente, não há empenho da Mirante em executar o serviço.

“O hidrômetro tem que ser substituído para não dar prejuízo para a autarquia. Com o tempo, o equipamento perde a qualidade na marcação”, explicou. “É mais barato trocar do que fazer a aferição (se a marcação está correta)”. Ele disse que há casos de hidrômetros com mais de 30 anos, mas a Mirante justifica que precisa apenas manter a média de idade dos equipamentos em cinco anos e não efetuar a troca de todas as instalações.


Vereadores na oitiva com presidente do Semae - Foto: Guilherme Leite

O presidente disse que já solicitou o plano de substituição dos hidrômetros à Mirante, que nunca foi apresentado. O prejuízo estimado para o Semae é de R$ 1,5 milhão por mês. “A troca dos hidrômetros vai beneficiar muito o Semae. Então me pergunto se há interesse que o Semae sobreviva ou o interesse de dizer que o Semae não tem capacidade técnica para depois falar: ‘dá aqui que eu faço’”, colocou.

De acordo com Oliveira, a Mirante anunciou na imprensa que já promoveu 164 mil vistorias. No entanto, são 183 mil ligações ativas. “Se em 10 anos de contrato a Mirante nem conseguiu percorrer o parque inteiro, como vai fazer a troca dos hidrômetros a cada cinco anos?”, questionou. O presidente disse que já foi contratada uma auditoria para averiguar as perdas sofridas pela autarquia por causa dos hidrômetros antigos. Além de embasar a solicitação de revisão do contrato da PPP, a auditoria vai demonstrar que, com esse ritmo, Piracicaba não vai atingir a meta de redução das perdas de água tratada dos atuais 57% para 25% até 2033, conforme exigência do Marco do Saneamento, o que coloca a cidade sob risco de penalizações.


Vereadores na oitiva com presidente do Semae - Foto: Guilherme Leite

Geofonamento – O serviço de geofonamento, que basicamente consiste na detecção de vazamentos na rede, também está previsto no contrato da PPP e não é executado pela Mirante, segundo o presidente. Ele lembrou que a empresa ganhou pontos na concorrência que culminou com a contratação, há 10 anos, quando incluiu esse item na proposta técnica. No entanto, o serviço não foi executado, o que resulta em perda de muito dinheiro para o Semae.

 “É um contrato leonino”, afirmou Oliveira, lembrando que a inadimplência no serviço também é absorvida pela autarquia. “Qual é o risco que a Mirante corre? O Semae tem muitos riscos. Se é um contrato de parceria, teria que haver riscos para os dois lados”.

O presidente classificou algumas questões do contrato como “nebulosas”. Ele lembrou que não consegue nem mesmo questionar o número de funcionários ou a qualidade técnica de quem presta serviços pela Mirante, já que a empresa alega não ter obrigação de informar. “Quero saber se tem só um engenheiro prestando serviços em três cidades e recebendo pelos três contratos”, afirmou. Ele disse que também queria averiguar denúncias de redução das equipes que atuam na cidade. Contou que já houve casos até mesmo de instalação de hidrômetros invertidos, gerando uma leitura negativa e que coube ao Semae fazer os consertos. Questionado sobre a fiscalização e a penalização da Mirante, Oliveira alegou que os trâmites previstos em contrato são muito complexos.


Vereador Cássio Luiz (PL), questionou presidente sobre fornecimento de água a comunidades - Foto: Guilherme Leite

Caducidade - Segundo Oliveira, após a elaboração da auditoria será avaliada a possibilidade de um pedido de caducidade – extinção do contrato em decorrência da inexecução por parte da concessionária. Nesse caso, o Semae estaria obrigado a devolver todos os investimentos executados pela Mirante desde o início da parceria, que ainda tem uma duração prevista de mais 20 anos. Atualmente, já está em andamento uma arbitragem para reequilíbrio do contrato solicitada pela Mirante.

O presidente disse que a empresa já executou todos os investimentos previstos no contrato e que os novos investimentos têm que ser executados pelo Semae. “O que a Mirante tinha para investir já foi feito quase a totalidade. Agora, eles só recebem pelo que fizeram”, contou. “A gente até tem receio porque, quando apontamos a necessidade de algum investimento, eles apresentam o orçamento e acaba saindo muito caro para o Semae. Acabo preferindo fazer a licitação, apesar de ter uma empresa parceira”.

“Então quer dizer que nos próximos 20 anos de contrato, vai ser ‘só alegria’ para a Mirante”, avaliou o relator da CPI, vereador Anilton Rissato (Patriota).


Vereador relator Anilton Rissato (Patriota) - Foto: Guilherme Leite

“A PPP nos primeiros anos serviu bem, fez as instalações que deveria”, afirmou o presidente do Semae. “Mas depois disso começamos a nos perguntar: por que ela está aqui? Ela deveria ter assumido tudo, até o passivo nosso e não foi feito. Quando o ‘fusquinha 72’ quebra, quem paga é o Semae”, comparou. “Mas quando você pega um fusquinha 72, sabe que vai ter que consertar algumas coisas. A Mirante diz que já investiu R$ 500 milhões, mas o Semae já pagou R$ 600 milhões. Acredito que vai ser uma guerra faraônica que a gente vai enfrentar e que pode acabar em uma guerra judicial”.

Oliveira disse que vai aguardar o resultado da auditoria e a finalização dos trabalhos da CPI para balizar o que deve ser feito em relação à PPP. Uma saída seria a contratação de uma empresa para gerenciamento da parceria. Questionado pelos vereadores sobre os problemas na elaboração do contrato e sobre a falta de fiscalização, ele disse que esse gerenciamento foi deixado nas mãos do Semae, que tem uma estrutura pequena e não possui advogados especializados em PPP para acompanhar um contrato que deverá passar dos R$ 2 bilhões.

Em relação à decisão política de transferir o gerenciamento do esgoto para uma empresa privada, o presidente do Semae lembrou que a justificativa foi um TCAC (Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta) firmado junto ao Ministério Público, que previa 100% de coleta e tratamento de esgoto até 2012. “Mas quantos municípios atendiam a isso no Brasil? Parece que isso foi até uma forma de fazer acontecer (a PPP)”, apontou.

Energia - Outra apuração executada pela CPI e que também foi abordada na oitiva é a denúncia de que a Mirante desligaria as bombas das estações de tratamento no período noturno para economizar energia. A presidente da comissão, vereadora Rai de Almeida (PT), apresentou um levantamento que demonstra uma redução de até 20% nas contas de energia elétrica das estações de 2019 para 2020, o que a Mirante justifica que são resultados de investimentos em tecnologia.

Oliveira disse que é preciso levantar esses investimentos citados, já que nem as bombas das estações foram trocadas em 10 anos, o que seria a primeira providência para a redução do consumo.


Vereadora Ana Pavão (PL) colaborou com questionamentos - Foto: Guilherme Leite

Contrapartidas - À frente do Semae desde 2021, Maurício de Oliveira disse aos membros da CPI que encontrou o caixa da autarquia sem capacidade para investimentos. Ele disse ainda que a atual infraestrutura do Semae não permite o abastecimento da cidade por 24 horas constantemente e que por isso começou a buscar empréstimos para obras de melhorias. Somente com as isenções na cobrança de água e esgoto, o Semae deixa de receber entre R$ 25 milhões e R$ 30 milhões por ano.

Um dos casos de sucateamento citados pelo presidente é o reservatório Marechal, que apresenta um problema de vazamento há pelo menos 30 anos, com uma perda atual estimada entre 20 e 30 litros por segundo. O problema é tão crônico que o vazamento chegou a ser canalizado para descarte da água tratada no esgoto. Ele disse que vai abrir uma sindicância para apurar quando foi executada a canalização e quem foram os responsáveis pelo serviço.


Vereador membro da CPI Thiago Ribeiro (PSC) - Foto: Guilherme Leite

Segundo o presidente, atualmente a capacidade de investimentos do Semae está restrita às contrapartidas executadas pelas construtoras de novos empreendimentos na cidade. Nesse contexto, ele alterou a sistemática de cobrança dessas contrapartidas, que antes eram cumpridas através da injeção de recursos nos cofres do Semae, dinheiro que era desviado para custeio e as obras acabavam não realizadas. Ele disse que agora cobra a entrega das obras já executadas pelas empreiteiras.

Para a presidente da CPI, vereadora Rai de Almeida (PT), é preciso buscar um entendimento para um contrato que beneficie ambas as partes. Ela lembrou que, apesar de garantir o tratamento de 100% do esgoto que é coletado, há indícios de que a Mirante não faz a coleta de todo o esgoto da área urbana, em vista dos vários despejos irregulares flagrados pela CPI nos corpos d´água.


Presidente da CPI, vereadora Rai de Almeida (PT), disse que depoimento ratificou várias suspeitas - Foto: Guilherme Leite

“O depoimento vem ratificar o que nós temos acompanhado, as nossas leituras e diligências que apontam que há descumprimento do contrato. Estar a hidrometria sob a responsabilidade da Mirante é colocar o cliente na caixa registradora”, colocou Rai. O relator da comissão, vereador Anilton Rissato (Patriota), disse que o depoimento foi bastante esclarecedor. “Essa PPP nos causa algumas indignações porque prejudica não só os cidadãos, mas a vida financeira do Semae”, avaliou.

Finalizada a fase das oitivas, a CPI voltará a promover reuniões fechadas para a elaboração do relatório final, que deve ser apresentado até 18 de maio.

Publicado por Danilo Telles, Jornalista da Rádio Metropolitana

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