Foto: Arquivo Pessoal
Em thrillers
de seriais killers muitas vezes fica nebuloso conhecer de pronto a identidade criminosa,
ficando para os instantes finais a percepção de quem se trata, pois, frequentemente
este se apresenta como um ser racional, até gentil e com uma vida ilibada na
sociedade. Na realidade, o sujeito tem vida dupla e é um psicopata dissimulado
que odeia e despreza com todas as forças certos tipos de pessoas e assim decide,
então, eliminá-las da face da Terra e simplesmente planeja, persegue e sem
nenhuma empatia com as vítimas, as extermina sem dó nem piedade. O grave da
questão é que essas características letais não ficam somente na ficção para a
diversão ou deleite de cinéfilos de plantão (a era Hitler assim o comprova) e
não raro são muitos aqueles que se depararam inocentemente com humilhação e
morte por ignorar a dissimulação e a crueldade do homicida, que se satisfaz
sadicamente com o desaparecimento do outro “diferente”, ou com a aniquilação da
fonte do desejo inalcançável ou a
desonra daqueles que com suas ideias provocam a desestabilização em sua maneira
de pensar, agir ou de existir acima dos
demais.
Podemos fazer um paralelo com
vidas suprimidas do cenário familiar e social e em panoramas mais abstratos e não
pouco importantes como o da educação, da cidadania e da dignidade de um povo. Num
apanhado bem generalizado, nacionalmente, os conceitos e ideais disseminados
atualmente por si só são do tipo serial killers ao vulnerabilizarem milhares de
pessoas, no sentido de estarem acrescidos de convicções destrutivas como: as genocidas (negação de dados científicos quanto
a imunização na pandemia, descaso com violências enfrentadas pelos povos originários
brasileiros de etnias indígenas e afrodescendentes), as machistas (desvalorização
e desproteção das mulheres), as homofóbicas (aversão e intolerâncias aos
relacionamentos fora da pretensa “moralidade familiar”), as cerceadoras de concepções
democráticas e de equidade social (difusão de alarmes infundados sobre “perigo
comunista” alardeando inseguranças na sociedade), de exclusividade ( incentivo e
proteção a setores específicos), as de desvalorização
da cultura nacional (silenciamento, cortes orçamentários e descrédito de
artistas consagrados), as de estímulo ao armamento da população e de
glorificação ao militarismo (propagação de insegurança, maior violência social
e sujeição ao autoritarismo). No panorama educacional, além do vácuo de
políticas assertivas e a sanha de apropriação das vultuosas receitas legisladas
à área, foi-se criando a ideia de total aniquilamento de nomes e legados de
ícones potentes de nossa história da Educação - intelectuais gigantes como o
filósofo Paulo Freire e o antropólogo Darcy Ribeiro.
Na defesa de uma educação democrática,
crítica e emancipadora, Paulo Freire sempre desejou que todos os brasileiros
pudessem galgar caminhos mais dignos dentro da sociedade por meio do conhecimento
e em suas obras, recheadas de amorosidade e esperança, não escondia seu sonho da
possibilidade de um Brasil realmente altaneiro, que alcançasse diminuir
progressivamente a orla de desvalidos e excluídos sociais que já era tão
expressiva no seu tempo. Darcy Ribeiro, por sua vez, lutou bravamente na
implantação da educação pública, gratuita e laica como direitos para todos os
brasileiros e criou a LDB/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira) e que embora tenha sido desviada em partes de suas propostas iniciais
por manipulações dos setores políticos variados, estabeleceu critérios
importantes para definir a educação pública como direito constitucional para educandos
do ensino infantil, fundamental e médio, definindo a obrigatoriedade
governamental no atendimento dessas demandas. Entretanto, esses e tantos outros feitos
expressivos realizados por esses educadores visando o desenvolvimento de um país
soberano foram sendo paulatinamente colocados à sombra ou pior, foram difamados
vergonhosamente por conterem a chave-mestra para que cada um dos integrantes da
nação tivesse condições de formar conceitos autônomos de visão de mundo e com
isso modificasse o contexto de opressão em que vive.
Como já mencionado, o perfil
psicológico de um serial killer tem na racionalidade extrema seu ponto forte e a
principal arma de seu sucesso nas devastações produzidas, então, a implementação e promoção de ataques e
desmontes nos alicerces filosóficos, nas estruturas basilares e na qualidade das instituições públicas de
ensino brasileiras revela-se com potencial inimaginável de destruição no
desenvolvimento geral dos estudantes brasileiros e dilacera com a mesma
cajadada a possibilidade do surgimento
de vozes fortes e dissonantes aos pensamentos toscos e ignorantes. Será que por
isso que uma nuvem densa de silêncio e acovardamento paira entre nós, sendo
pouco audíveis as vozes que vêm em defesa dos pequenos cidadãos brasileiros? Melhor
encontrar esse impasse na ficção que na vida real, pelo menos, nos filmes o serial
killer sempre é detido no final!
Artigo assinado por: Márcia Scarpari De Giácomo – Professora de Ensino Fundamental . Mestre em Educação.