Situação do restaurante no campus da Esalq reflete
dilema em terra do agronegócio.
“A fome é um problema de agora
que precisa ser resolvido com máxima urgência”, afirma Maria Clara Georgette,
estudante de Engenharia Florestal e moradora da CEU – ADUSP
Os estudantes da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), campus da Universidade de São Paulo
(USP) em Piracicaba, interior paulista, estão sem oferta de alimentação por
tempo indeterminado depois que fiscais da Vigilância Sanitária da cidade
interditaram, por falta de condições de higiene, a cozinha da empresa
terceirizada que fornece marmitas ao Restaurante Universitário.
A
interdição aconteceu na última sexta-feira (27) pela manhã, depois de denúncias
de irregularidades. A cozinha é terceirizada desde 2016, assim como grande
parte dos restaurantes universitários da USP.
A Prefeitura
do Campus da Esalq afirmou
via comunicado à comunidade universitária na manhã desta segunda-feira (30) que
o fornecimento das refeições continuará suspenso por tempo indeterminado,
depois que a licitação para contratação de nova empresa fornecedora fracassou.
“Foi
realizado pregão para contratação de novo serviço de entrega de marmita, mas,
infelizmente, sem sucesso, pois a empresa vencedora não apresentou a
documentação completa e foi considerada inabilitada. As demais licitantes
também foram desclassificadas ou inabilitadas, por não apresentarem proposta
formalizada ou documentação completa”, destaca o texto.
A
nota ainda afirma que estudantes bolsistas do Programa de Apoio à
Permanência e Formação Estudantil, que oferece benefícios a estudantes de
graduação com dificuldades socioeconômicas, terão acesso a marmitas nos
próximos dias. Os demais estudantes, não.
Histórico de
problemas
O
Restaurante Universitário da Esalq foi terceirizado no ano de 2016 e, desde
então, segundo o estudante da pós-graduação, Fábio Sorrentino “a qualidade
da alimentação baixou muito e ainda com a pandemia essa situação só se
intensificou”.
Desde
o início da pandemia a empresa terceirizada fornecia marmitas de almoço e
jantar para a distribuição no “Rucas”, como é chamado o Restaurante
Universitário pelos estudantes. Porém, mesmo com o retorno presencial, a
distribuição dos alimentos seguiu sendo dessa forma, coisa que não acontece eu
outros bandejões, como os da USP Butantã, por exemplo.
“A
marmita do Rucas era muito ruim. O arroz era duro, o feijão era seco e a
mistura era pouca. Metade da marmita era arroz e a carne tinha umas manchas
esquitas. Isso quando não tinha cabelo, pedra, fiapo de esponja, fiapo de
alumínio. Tinha marmita que já chegou com 11 pedras. Teve gente que quase
quebrou dente, teve gente que já foi internada por intoxicação alimentar. Mesmo
com fome era muito difícil de comer”, afirma Henrique Afonso, estudante de
Gestão Ambiental e membro do Centro Acadêmico Luiz de Queiroz (Calq).
Afonso
conta que um estudante que na época não quis se identificar, enviou ao
Calq a foto de uma marmita para informar o Centro Acadêmico que havia
encontrado manchas amarelas no bife.
“A
galera achou que era cisticerco, que é ovo de tênia. E a gente congelou a
marmita para ser feita análise laboratorial. Aí a gente divulgou foto da
marmita, fizemos todo um escracho, mandamos e-mail pra Prefeitura do Campus e
eles realizaram a análise laboratorial”. Na análise a gente viu que era, na
verdade, reação vacinal. Então aquelas manchas na verdade eram pus de vaca. Não
chega a ser perigoso como ovo de tênia, mas é nojento. Querendo ou não é
horrível”.
Todo
este processo foi acompanhado pelo Centro Acadêmico e pela Associação de Pós
Graduandos (APG), mas também por Representantes Discentes (RD’s) que compunham
um Grupo de Trabalho sobre permanência estudantil no Campus.
Mobilização
estudantil
Na
noite de segunda, estudantes realizaram uma assembleia geral, com integrantes
da graduação e da pós-graduação. O encontro, segundo Maria Clara Georgette,
estudante do 4º ano de Engenharia Florestal, serviu para compartilhar
indignações e planejar os próximos passos.
“Nossa
luta maior é pela desterceirização do Rucas [como é conhecido o
restaurante]. Mas se isso não for possível, pelo menos que a gente
proponha uma forma de terceirização que
não comprometa a qualidade da nossa comida. Além disso, queremos o retorno da
distribuição de cestas básicas para a CEU [moradia estudantil] e a distribuição
de café da manhã, que existe em outros bandejões da USP e que já existiu no
Rucas mas que hoje não é mais fornecido".
Sobre
a Esalq
A Esalq é um campus da USP que concentra cursos de ciências naturais e exatas, grande parte com foco na atuação em áreas agrárias e ambientais. Com altos investimentos do agronegócio, vive a disputa pelos interesses e rumos das pesquisas e extensão da Universidade. Por exemplo, a produção de alimentos, sobretudo alimentos saudáveis, cultivados por meio de sistemas agroflorestais, é bem menor do que projetos que voltados para o desenvolvimento do agronegócio na Universidade.
É
o que afirma Fábio Sorrentino, estudante da pós-graduação e integrante da
Associação de Pós Graduandos (APG). "De fato, a situação do Rucas reproduz
a situação nacional, assim como a Esalq reproduz a situação do
agronegócio. Aqui dentro a discussão hegemônica é sobre a produção de commodities,
principalmente a produção de soja, e parece que a prática de produzir alimentos
é totalmente esquecida pela universidade".
"Ao
invés da Esalq seguir uma prática mais agroecológica, uma prática de
circuito curto, de pegar alimentos aqui da região ou de produzir os próprios
alimentos, de pegar alimentos orgânicos, alimentos da agricultura familiar, ela
faz esse esquema de pegar alimento ninguém sabe de onde, alimentos de péssima
qualidade - porque é a empresa que pega os alimentos - e é um processo
totalmente desconectado com as discussões que temos
aqui dentro".
Reportagem: Mariana
Lemos - Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Edição: Felipe Mendes
Publicado por Danilo Telles, Jornalista da Rádio Metropolitana de Piracicaba