Foto: Arquivo Pessoal

Quem nunca se sentiu envolvido, absorto por uma sensibilidade literária, musical ou contemplativa no geral, através de uma obra de arte? Esse efeito, especialidade de causar dos artistas, o qual mais aparenta ser proveniente de um distante universo, de um lugar esplêndido, estranhamente mágico, ganha o nome de Efeito Artístico. É comum ouvirmos dos grandes pensadores os mais estimáveis elogios e condecorações, direcionadas àqueles que concebem tamanha composição, e que esta carrega algo de indiscutivelmente misterioso, ao passo que pode-nos até dar a entender que há nela uma característica singular, como se visitasse-nos daquela terra distante que muitos desses filósofos atribuem, nomeiam, seja ela absolutamente imaterial, física, que venha do fundo de nosso espírito ou de fora dele ou de ambas, a saber: esta terra de verdades inexprimíveis sobre nós, sobre o nosso mundo, sobre todas as coisas com que pensamos e nos relacionamos, que seriam intraduzíveis fora da arte.

Mas, talvez, não se trate de algo tão bem-elaborado assim, e que também não necessite rigorosamente de uma teorização acerca de um tipo de “indagação estética”, e que, dizem alguns, seja tão somente uma pontual particularidade em nossa natureza que nos provoca tanto, quando estimulada, ao ponto de supormos que haja algo de “superior” dentro de nós, de nossa condição. Em verdade, não compactuo exatamente dessa ideia; não penso que se trate de uma questão a ser medida por um “termômetro”. Certamente, há obras que nos são caras, outras que desprezamos, mas isso não significa que exista previamente uma “base” para generalizarmos o sentimento, categorizarmos uns no éter e outros no térreo. A “base” aqui, por encontrar seu ponto de partida e ver sempre seu limite em nós, não serve de nada, é inútil, até pretenciosa. Tenho a impressão de que nos comportamos, por vezes, na contramão da natureza do tempo. Me parece que desejamos, a todo o momento, reverter sua inexorabilidade, colocar um ponto final no que nos é tão frio e indiferente, em contraste ao nosso ser carregado de tanta paixão, ardência e viva e fiel amizade do imperecível, para erguermos, nós próprios, o nosso edifício estático com a lei da eternidade no seu ínterim. Os românticos alemães captaram com honorária maestria esse conflito – compreendiam tão bem ao ponto de conseguir, mesmo que de modo rudimentar, explicar a razão de sermos tão contraditórios e confusos. Questionaram, assim, lado a lado, duas coisas que constantemente entram em conflito, a saber: a arte e o tempo. Marcel Proust levou tão a sério esse duelo, que trabalhou incessantemente a fim de condensa[1]lo em sua grandiosa obra, clássico da literatura mundial, Em Busca do Tempo Perdido. O artista que era, colocou-se aquém e além de si nesta questão e, notando uma simultaneidade, não se deixou levar por uma rápida e simplória conclusão como “o tempo é nosso inimigo”, ou “o tempo é nosso amigo”. Em verdade, o mesmo tempo que nos sufoca, que tenta obstruir a expansão audaciosa e intrínseca do Efeito Artístico, é o que nos permite poder expressar e ser envolvido pela expressão, seja lá o que realmente somos, ou por quais motivos viemos parar neste mundo. Assim, a possibilidade da imutabilidade da arte, ao longo de seu longo romance, carrega algo de belo e de trágico, pois é justamente a contradição a matéria da questão, que espelha e harmoniza-se com a contradição que somos, como se não fossemos, nesse sentido, “arrumados”, mas sim intencionados a arrumar – ou, numa instância mais obscura, caóticos.

Identificamos e simpatizamos com uma obra, pois ela parece tanto com a nossa vida, tão incompreensível, tão incongruente com o restante do mundo, que, em uma frase, num parágrafo, quando um personagem de repente diz algo do tipo: “não sei por que a amo, só sei que a amo”, e diz com tanta verdade, com tanto ardor, que impossível nos é não vermos semelhança conosco, nossas tragédias, nossas misérias, etc; ou quando uma nota musical decai ou sobe de supetão, e aquilo lembra tanto a inconstância, as irrespondíveis perguntas da existência, as inexprimíveis angústias, e que então, do nada, irrompe uma luz interior, e possibilita-nos até enxergar beleza no que é ridículo. De fato, a arte possui algo de oculto em sua forma, algo suspeito, mas que cega e facilmente tomamo-la como a uma irmã, ou, quem sabe, como nós mesmos, incorporando e vendo-nos, muitas vezes, mais nela do que em nós. São questões complexas, problemáticas. O Efeito Artístico parece agir em rebeldia à mobilidade do tempo. A arte representa nosso ser, como expressão dele, e que ele, sem ela, não seria um ser-humano.

Artigo assinado por: Pedro Barbarrossa

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