Amarildo da Costa Oliveira, apelidado de “Pelado” - foto: Reprodução/ TV Globo
Documento obtido pela Pública revela que “Pelado” relatou a peritos da Polícia Civil do Amazonas ter sofrido espancamento e sessões de asfixia por parte dos PMs.
Amarildo da Costa Oliveira, apelidado
de “Pelado”, suspeito de envolvimento no desaparecimento do indigenista Bruno
Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, disse ter sido torturado pela
Polícia Militar do Amazonas em depoimento prestado a peritos da Polícia Civil
do estado. As agressões teriam ocorrido durante sua prisão em flagrante, na
última terça-feira, 7 de junho, por posse de munição restrita e permitida,
segundo a polícia civil. Sua prisão preventiva foi decretada na quinta-feira, 9 de junho,
pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, durante a audiência de custódia depois de
a polícia revelar ter encontrado sangue na
lancha dele. Não se sabe a origem do sangue que ainda será
periciado.
Em um laudo que consta do auto de
prisão de Amarildo, obtido pela Agência Pública (o processo
está sob sigilo), respondendo a quesitos, os peritos médicos da Comarca de
Atalaia do Norte da Polícia Civil do Amazonas relatam que: 1) quanto “às
ofensas à integridade corporal do paciente: “lesões nas munhecas, lesões
leves”; 2) sobre o instrumento que produziu a ofensa: “segundo o paciente,
pisaram nas pernas, edema leve”; 3) se a ofensa foi produzida por “meio
insidioso ou cruel”: “paciente refere que colocaram sacola em sua cabeça”,
“asfixia”. Por fim, sobre se “a ofensa resultou em risco de vida”, os peritos
respondem: “não apresenta evidência, só relato do paciente que desmaiou”.
Laudo anexo ao auto de prisão
de Amarildo - foto: Reprodução
Nos depoimentos de dois PMs que
fizeram a prisão, que também constam do auto de prisão, as lesões apontadas no
laudo também são citadas mas, segundo os policiais ouvidos, ele já estava com
hematomas quando foi detido e teria machucado as pernas ao desembarcar
machucado da lancha. Segundo seu então advogado, Ronaldo Caldas, que o
acompanhou na prisão, Amarildo lhe disse que os PMs o teriam levado, já preso,
para a lancha deles e depois conduzido a um “furo”, onde teriam ocorrido as
sessões de tortura. “Colocaram saco em sua cabeça o asfixiando”, afirmou
Caldas. O advogado também disse que Amarildo relatou ter desmaiado três vezes,
acordando quando os policiais jogavam água em sua cabeça. “[Amarildo] Chegou
aqui molhado ainda”, afirmou o advogado por meio de mensagem. Caldas falou
à Pública antes
de deixar a defesa de Amarildo, depois que a imprensa revelou que ele também é
procurador do município de Atalaia do Norte.
Os depoimentos
dos PMs e de “Pelado”
Em seu depoimento ao delegado da Polícia Civil de Atalaia do
Norte, Alex Perez, que consta do auto da prisão obtido pela reportagem, o
sargento Massicley Araujo Freitas, relata as circunstâncias da detenção
de “Pelado”. Segundo ele, abordados pela polícia, “ribeirinhos, que não
quiseram se identificar” disseram que cerca de 10 minutos depois de Bruno e Dom
passarem de barco, haviam visto “Pelado” passar em frente da comunidade, “no
mesmo sentido da lancha de Bruno Pereira”.
Informada do paradeiro de “Pelado”, a “equipe policial se
deslocou até o lugar indicado, encontrando o referido cidadão na comunidade de
São Gabriel”. Feitas as buscas na casa dele foram encontrados 16 chumbinhos, um
cartucho deflagrado de calibre 16; 01 munição de uso restrito de calibre
762.39; 01 porção de substância de cor branca. Então, “foi realizada a condução
de Amarildo da Costa de Oliveira, vulgo “Pelado”, para 50a DIP para as
providências cabíveis.
Material que a polícia alega
que estaria em posse do suspeito - foto: Reprodução
Em seguida o sargento detalha que: o flagranteado já apresentava os
hematomas no nariz e no ombro esquerdo no momento de sua detenção no referido
local, QUE foi foi feito o uso de algemas conforme súmula
vinculante número 11, e
que ao desembarcar da lancha o mesmo veio a escorregar e machucou suas pernas (…)”.
O mesmo enredo, com a mesma referência aos machucados, foi
repetido no depoimento do cabo que participou da prisão.
Na oitiva ao delegado, “Pelado”, além de negar envolvimento e
conhecimento sobre o desaparecimento de Bruno e Dom, também reclamou de maus tratos.
Segundo a transcrição de seu depoimento, ele se queixou “da truculência desde
sua residência até a Delegacia” e pediu ao delegado que fosse feito um exame de
corpo delito.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do
Amazonas informou que foi criada uma força tarefa, com todos os órgãos
envolvidos na operação, para localizar os dois desaparecidos, na qual o
porta-voz oficial é a Polícia Federal. A reportagem perguntou a PF se foi
realizado o exame de corpo de delito em Amarildo, se a conduta dos policiais
que efetuaram a prisão será investigada a partir do relato oficial do suspeito
e quais outras medidas serão adotadas para esclarecer os fatos narrados no
depoimento. Até a publicação desta reportagem, não houve resposta do órgão.
Vizinhos
falaram à Pública sobre Amarildo
A Agência
Pública esteve na manhã da sexta-feira (10) no endereço
indicado por Amarildo da Costa de Oliveira como sua segunda moradia — a
primeira foi a comunidade de São Gabriel. É uma casa de madeira no final de uma
rua de asfalto esburacado e sem esgotamento sanitário no bairro de Cidade Nova,
a cerca de 5 minutos de mototáxi do centro de Benjamin Constant (AM), à margem
do rio Javari.
Um morador e comerciante da rua, que pediu para não ter o nome
publicado, contou que Oliveira era conhecido como pescador e caçador. Ele
costumava vender carne de animais silvestres e peixe para os vizinhos como “um
modo de sobrevivência”, disse o comerciante. Transportava a carne numa
“carroça”, como é chamada na região uma pequena carreta puxada por motocicleta.
Vendia pacu, anta, paca, sardinha, porco-do-mato. Quando ele voltava das
caçadas, disse o vizinho, os moradores ficavam sabendo pela passagem da
“carroça” na rua e se dirigiam à casa dele para comprar o material.
Ruas no centro de Benjamin
Constant e Cidade Nova, onde vivem familiares de Oliveira - foto: Reportagem Agência Pública
Nas caçadas, disse o vizinho,
Oliveira usava espingarda e armadilhas com pólvora e chumbo que são montadas na
mata e acionadas pela passagem do animal. O vizinho disse que não esperava a
prisão e que não acredita que Oliveira tenha cometido crime contra Bruno
Pereira e Dom Phillips porque “era pacato, tranquilo”. Disse que Oliveira tinha
uma espingarda, mas não a exibia na rua ou em bares. Disse ainda que nunca viu
Oliveira com um fuzil — a polícia disse ter apreendido com ele uma munição de
fuzil.
Ruas no centro de Benjamin Constant e Cidade Nova, onde vivem familiares de Oliveira - foto: Reportagem Agência Pública
A Agência Pública ouviu
de outros moradores que é comum na cidade a venda, inclusive em barracas
instaladas a céu aberto em determinados pontos, de animais silvestres abatidos
na região. Essa cena parece ter sumido nos últimos dias devido à presença de
policiamento nos rios à procura dos desaparecidos.
Ruas no centro de Benjamin Constant e Cidade Nova, onde vivem familiares de Oliveira - foto: Reportagem Agência Pública
Na casa indicada por Oliveira moram o
pai, Otávio Oliveira dos Santos, e a madrasta, que disse se chamar Saíra. Ela
afirmou que seu marido viajou há dois dias para Atalaia do Norte — que fica a
cerca de 40 minutos de carro de Benjamin Constant — a fim de acompanhar a
situação do filho preso. Segundo Saíra, ela não consegue contato telefônico com
o marido porque a telefonia na região está muito ruim. Ela disse que está
casada há oito anos com Otávio e indicou a vizinha ao lado, que se identificou
como Maria, como uma “comadre” que poderia falar mais sobre Oliveira.
Maria disse que ficou surpresa com a
notícia da prisão e que conhece Oliveira há 10 anos como sua vizinha mais
próxima. “A gente não acredita, parece um sonho, um pesadelo”, disse Maria. Ela
afirmou não ter nenhuma informação sobre Oliveira ter sofrido violência
policial porque só sabe “o que está saindo no jornal” das emissoras de
televisão.
O Jornal O Globo noticiou que
uma testemunha considerada chave na investigação teria afirmado que o suspeito
seria conhecido por ser “muito perigoso” e havia prometido “acertar contas” e
“trocar tiros” com Bruno Pereira. Além disso, a testemunha teria dito que viu
Amarildo carregar uma espingarda e fazer um cinto de munições e cartuchos
pouco depois que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips
deixaram a comunidade São Rafael com destino à Atalaia do Norte, na manhã do
último domingo.
Segundo noticiou o G1 Amazonas, as buscas pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista britânico Dom Phillips passaram a se concentrar em uma área abaixo da “Comunidade Cachoeira”, em Atalaia do Norte. Voluntários disseram às equipes de busca que encontraram sinais de escavação às margens do Rio Itacoaí, local onde Bruno Pereira e Dom Philips foram vistos navegando.
Publicação: Enzo Oliveira/ Radialista Redator RMPTV