Foto: Guilherme Leite - MTB

O Código Florestal Brasileiro e suas recentes modificações legais foram o tema de palestra realizada na tarde desta sexta-feira (10), na Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Piracicaba, ministrada por Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor Doutor titular do Departamento de Ciências Biológicas da Esalq/USP.

A atividade foi aberta pela diretora da Escola, vereadora Sílvia Morales (PV), do mandato coletivo “A cidade é sua”, que destacou a palestra faz parte das Semanas Integradas do Meio Ambiente (Simapira), promovidas por diversas entidades públicas e da sociedade civil: “é quase um mês do meio ambiente, com atividades que vão até o dia 30”. Para a parlamentar, a palestra é oportuna para aprimorar projetos e propostas legislativas voltadas à área ambiental.

Histórico – De acordo com o palestrante, o primeiro código florestal brasileiro é datado de 1934, e ele “nem falava de mata ciliar, falava de florestas protetoras de rios. E esse código foi validado a deu base para que o código que veio em 1965, já com o nome de Código Florestal mesmo”, disse.

No entanto, segundo Ricardo, o nome Código Florestal continha um “erro legislativo” que dava a entender que o regramento regia apenas as formações florestais e excluía as formações não florestais, como campos e serrados. Isso, segundo ele, foi resolvido com a reedição do Código em 1989, incluindo, então, os outros biomas.

“Na verdade, a lei passa a funcionar para todas as formações brasileiras com o Código de 1989. Em Piracicaba, isso é menos complicado porque a maioria das formações naturais são florestais, com exceção do campo úmido e de algumas outras situações específicas”, contextualiza o palestrante.

O conjunto de regras ambientas vigorou até 2012, quando foi substituído pela Lei 12.651/2012, “agora chamado de Lei de Proteção de Vegetação Nativa, e nós o chamamos popularmente de Novo Código Florestal, mas é só um nome vulgara para essa rede de proteção”.

Retrocessos ambientais - Para Ricardo, as alterações legais aprovadas em nível federal tinham como objetivos centrais “reduzir as exigências do Código Florestal. Então, nós tivemos um grande retrocesso”, pontou o professor.

A flexibilização na lei, de acordo com o palestrante, teve como bases argumentativas duas premissas: a de que o Brasil possui vastas áreas de formações vegetais naturais, cerca de 62% de seu território (incluindo áreas de reservas indígenas e de preservação, terras devolutas e das áreas de proteção permanentes (APP) e reservas legais dentro das propriedades rurais); e a de que somente 33% do território nacional é usado, efetivamente, para a atividade agrícola.

“A justificativa para essa alteração de 2012 foi: como é que pode um país em que quase dois terços de seu território é destinado para ser ocupado com vegetação nativa e um terço para produção e os proprietários, que estão nesse um terço restante, são irregulares ambientalmente em relação às APPs e reservas legais? Essa foi a justificativa”, explica.

Para o professor, a premissa, no entanto, apesar de sua aparência lógica, padece de embasamento científico: “a única coisa que eles não nos deixaram contar é que como é esse um terço que é ocupado pela agricultura”.

De acordo com ele, ao se analisar mais de perto os dados relativos às áreas agricultáveis, “você leva um susto. Estamos falando em torno de 260, 270 milhões de hectares que são usados para a agricultura no Brasil e, desse total, dois terços, ou seja, cerca de 180 milhões de hectares, são de pastagens, de pecuária. Então, só um terço do Brasil é cana-de-açúcar, café, soja, eucalipto, feijão, enfim, tudo o que você possa imaginar”, pontuou.

Subaproveitamento das áreas agricultáveis – Para o professor, os dados apontam que os espaços destinados às plantações estão sendo bem usados, inclusive com aumentos na produtividade ao longo do tempo em uma mesma área, o que se deve, segundo ele, a diversos melhoramentos: “é usar o conhecimento científico para produzir direito”.

No entanto, de acordo com ele na maioria das áreas ocupadas pela pecuária, o cenário é o oposto: “os números são de chorar. A média brasileira de produtividade na pecuária é menos de uma unidade animal por hectare”.

O pesquisador contextualiza: “vamos pensar em um produtor que tem um sítio em Piracicaba de 50 hectares. É um sítio grande, de aproximadamente 50 campos de futebol, que deve valer cerca de R$ 2,5 milhões de reais. Se ele usar 100% de seu sítio, com essa produtividade média, ele vai engordar 50 cabeças. Se ele fizer isso, o rendimento dele neste sítio será algo em torno de R$ 5 mil reais, por ano. Se dividirmos por 12, não dá nem um salário mínimo por mês. Essa é a realidade de 180 milhões de hectares no Brasil”, disse.

Segundo o palestrante, a baixíssima produtividade registrada nas áreas de pecuária conduz a outra pergunta: “para que eu preciso aumentar a minha área de produção? É quase pensarmos em construirmos um novo quarto de dormir em uma casa que possui dois outros cômodos que não estão sendo utilizados. Eu preciso construir esse novo quarto? Logicamente não, mas é isso que fizemos com o novo código florestal em 2012”, destacou.

Outros interesses – Para ele, em partes, isso se deve ao fato de a pecuário não ser uma atividade essencialmente de produção, mas também uma atividade de exploração imobiliária: “derruba-se a Amazônia, coloca-se pasto, e não quer saber de tem gado, se vai ganhar dinheiro com isso. Pois ele vai realmente ganhar dinheiro é com a venda da propriedade depois que ele desmatou. Na verdade, é uma exploração imobiliária”.

Mais retrocessos – Segundo Ricardo Ribeiro Rodrigues, a legislação aprovada em 2012, e que também passou por algumas modificações ao longo dos anos, traz retrocessos, por exemplo, na questão da proteção das nascentes de água, cuja mata ciliar, antes, era de 50 metros, independente do tamanho da propriedade e, hoje, é de 15 metros.

De acordo com o professor “outro grande retrocesso veio com o artigo 15”, que permitiu que as áreas de proteção permanente em recuperação possam ser consideradas como percentuais das áreas de reserva legal em uma propriedade.

Se antes uma APP ocupava cerca de 10% da propriedade e a reserva legal, 20%, tinha-se um total de 30% de áreas a serem preservadas. No entanto, desde 2012, na prática, essa taxa total para cai 20%, já que a APP em formação pode ser considerada como área de reserva legal: “com isso nós aumentamos em 10% a área agrícola e diminuímos em 10% as áreas de produção”, criticou o professor.

Além disso, segundo Ricardo, há o artigo 68, que exime o proprietário que desmatou sua reserva legal, antes de 1965, de replanta-la. “Com esse artigo, nós praticamente tiramos todas as reservas legais que estão no leste do estado de São Paulo, cujos desmatamento, historicamente, aconteceram antes dessa data”, explicou o pesquisador, que disse que com a inclusão do artigo, houve uma queda de cerca de um terço na obrigatoriedade de reservas legais no estado de São Paulo.

Avanço – Para Ricardo, um dos poucos aspectos positivos da novo Código Florestal foi a inclusão em lei da obrigatoriedade do Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma ideia, segundo ele, gestada na própria Esalq, e que prevê que todas as propriedades rurais sejam efetivamente mapeadas quanto às terras que precisam preservar: “foi a primeira inciativa no mundo que trouxe a obrigatoriedade de se fazer um diagnóstico ambiental rural”.

Assim, os proprietários, agora, precisam informar em um sistema o total de áreas utilizadas para produção e os locais de reserva e, na sequência, apresentar planos e projetos buscando adequá-las à legislação ambiental vigente. Caso não faça as adequações necessárias, o produtor pode ficar impedido, por exemplo, de acessar empréstimos bancários e de efetuar movimentações em cartórios de imóveis, entre outras restrições.

Quem não protege? De acordo com dados apresentados pelo palestrante, obtidos por meio de um projeto por ele integrado e financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), das 340.650 propriedades rurais existentes no estado de São Paulo, 237.148 possuem déficits de áreas de preservação permanentes (APPs), o que resulta em 768.580 hectares a serem recuperados. “Aí você começa a entender por quê falta tanta água e os motivos de tanta insegurança hídrica. Não estamos protegendo a água há muitos anos”, ponderou.

Segundo a pesquisa por ele apresentada, 90% desse déficit está concentrado nas mãos de 48.555 propriedades, o que representa 14,2% do total das propriedades cadastradas no estado. Ao analisar o perfil dessas propriedades com déficit de APPs, segundo o professor, 59% são de grandes propriedades, 34% de médias e apenas 7% são pequenas.

“Ou seja, se eu implantasse APP, mata ciliar, em todos os pequenos produtores rurais do estado de São Paulo, eu não iria resolver nem 10% do que falta de mata em São Paulo. Aquela história de que as alterações no código florestal iriam afetar os pequenos proprietários foi tudo balela. Foi tudo montado para os médios e grandes”, disse.

Os dados por ele apresentados, basicamente, se repetem em nível nacional e também em relação à reserva legal dentro do estado.

Alternativas – Para reverter essa situação, segundo o pesquisador, é preciso haver incentivos e políticas públicas voltadas à recuperação de áreas degradadas e à compensação ambiental, um mecanismo que permite que produtores com déficits em suas áreas de preservação possam pagar por esses serviços em outras locais, em outras propriedades que possuem matas preservadas.

Para ele, é indispensável que haja políticas públicas de capacitação para que pequenos produtores, que historicamente foram alijados para áreas com menor capacidade produtiva e que, justamente por isso não sofreram tanto com mecanizações e outros processos e, portanto, possuem maior potencial de regeneração, consigam oferecer esses serviços de compensação ambiental.

De acordo com o professor, essas áreas pouco produtivas podem ser melhor exploradas, por exemplo, com a implementação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), que oferecem a possibilidade de produção de alimentos em consórcio com a produção de madeira, de plantas medicinais, de produtos apícolas, dentre muitas outras possibilidades.

Em relação aos grandes proprietários, o pesquisador defende a criação de uma espécie de “lista positiva”, que ressalte e destaque positivamente quem preserva. “Nós temos uma proposta de restauração ecológica para benefício da natureza, mas também para o benefício das pessoas”, conclui o pesquisador.

Publicação: Enzo Oliveira/ Radialista Redator RMPTV

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