Os cinco investigados eram da mesma pequena comunidade à beira do rio Itaquaí na qual viviam “Pelado” e vários de seus familiares - foto: José Medeiros/Agência Pública
Delegado que coordena os trabalhos da Polícia Federal diz que “trabalha com hipótese” de mandante, mas que hoje não tem elementos para indiciar ou fazer buscas contra alguém.
Atalaia do Norte (AM) – Mais
cinco pessoas – além dos três pescadores e caçadores atualmente presos – já
admitiram algum papel no processo de destruição de pertences ou na ocultação
dos corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
Os investigados, dos quais três são irmãos e um é filho do principal implicado
no crime, Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, se apresentaram à
delegacia de Atalaia do Norte (AM) nos últimos dias acompanhados de um mesmo
advogado.
O delegado da PF (Polícia Federal)
Domingos Sávio Pinzon Rodrigues, 44, que atua como coordenador dos trabalhos da
PF na investigação que corre paralela ao inquérito instaurado pela Polícia
Civil, disse que os cinco investigados eram da mesma pequena comunidade à beira
do rio Itaquaí na qual viviam “Pelado” e vários de seus familiares. A
localidade de São Gabriel, com cerca de 15 casas, fica a aproximadamente 15
minutos de barco pequeno do local dos assassinatos, ocorridos na manhã do dia 5
de junho. A polícia agora avalia a necessidade ou conveniência de solicitar algum
tipo de prisão provisória dos novos investigados.
O papel exato de cada um dos cinco
investigados ainda está sendo apurado pela polícia, inclusive a partir da reconstituição do crime,
que na semana passada reuniu peritos, testemunhas e investigados no rio
Itaquaí.
As versões apresentadas pelos
investigados estão sendo recebidas com precaução pela PF, que teme ter ocorrido
uma combinação de narrativas.
“Por exemplo, todos os que participaram da ocultação dos cadáveres dizem que não queimaram os cadáveres, que queimaram só os pertences pessoais. Ou seja, querem, na minha visão, diminuir sua participação, não querem confessar que participaram de um ato horrendo de queimar uma pessoa. Entretanto, há indícios de que os cadáveres foram efetivamente… Tentaram, pelo menos, carbonizá-los.”
Delegado Domingos Sávio coordena os trabalhos da Polícia Federal - foto: José Medeiros/Agência Pública
O delegado ressalta que ainda
aguarda o relatório pericial, mas “pelos testemunhos e pela análise do local, o
que leva a crer é que tentaram queimar, mas não deu certo, é muito úmido ali, a
queima de dois corpos não é simples, e no outro dia, quando foram conferir,
viram que tinham que enterrar mesmo” para supostamente não deixar mais pistas.
Os corpos foram enterrados na mata perto da Lagoa da Preguiça,
que fica em frente à casa de um dos três presos, que é outro irmão de “Pelado”,
Oseney Oliveira, conhecido como “Dos Santos”. O terceiro preso até o momento é
Jeferson Lima, o “Pelado da Dinha”, que também admitiu ter atirado para matar
Bruno e Dom.
Outro ponto que merecerá atenção da polícia nos depoimentos dos
cinco investigados é quando e por quem eles foram acionados para dar cabo dos
pertences e dos corpos.
“É meio contraditório, não faz muito sentido. Eles falam assim que [‘Pelado’ e Lima] saíram de manhã — eles querem dar a entender que foi uma coisa de momento – e que depois de um tempo voltaram e falaram ‘pô, a gente fez a merda’, ou seja, ‘mataram os caras’. Segundo eles, ambos ficaram lá [na comunidade] durante o dia e, quando foi à noite, o ‘Pelado’ saiu mais o Jeferson. Segundo a maioria dos depoimentos, eles saíram sem dizer para onde. E que, quando eles saíram, em seguida os irmãos lá se reuniram para ir [espontaneamente] até o local onde estavam os corpos, que é o local da mochila.”
Segundo o delegado, os
investigados “querem dizer que não houve um acerto, que não houve um acordo
entre eles para divisão de tarefas”. Eles falam “que a comunidade ficou
preocupada e que, em razão disso, por vontade própria, eles, sem estarem
organizados ou combinados com ‘Pelado’, foram lá para ajudar porque isso seria
uma repercussão muito ruim para a comunidade”.
“Eles dizem que saem todos em canoas de remo, de madeira, não
motorizadas, saem todos para um local para colocar os corpos nas canoinhas, as
mochilas e pertences em outras. […] Na minha interpretação disso, houve uma
orientação da defesa para falarem dessa forma, que não tocaram fogo nos corpos,
que não houve uma coordenação ou divisão de tarefas, para que a investigação ou
futuramente o Ministério Público não os inclua como partícipes no crime de
homicídio.”
Sávio
enalteceu os indígenas e a Univaja
Sávio, que está na PF desde 2003, concedeu entrevista exclusiva
à Agência
Pública na quinta-feira (29) em Atalaia do Norte. Nascido
em Manaus (AM), Sávio estudou Direito em Brasília e entrou na PF por concurso
público em 2003, primeiramente ocupando o cargo de escrivão. Três anos depois,
tornou-se delegado e está lotado desde então na cidade de Manaus.
O delegado é atualmente o “número três” da Superintendência da
PF em Manaus, no cargo de coordenador regional de combate ao crime organizado.
Nessa função, ele foi acionado pela direção da PF em Brasília na noite do mesmo
dia dos desaparecimentos de Bruno e Dom, no domingo, dia 5. Na manhã seguinte,
ele, o superintendente da PF em Manaus, Eduardo Alexandre Fontes, e outros
policiais criaram um plano de ação. Inicialmente a coordenação dos trabalhos de
investigação ficou baseada em Manaus.
Na quarta-feira (8), porém, o superintendente decidiu deslocar
Sávio para Atalaia a fim de coordenar no local, a princípio, os trabalhos das
buscas. Depois que a investigação avançou com a confissão de dois presos, o
grupo se converteu numa equipe de investigação paralela à Polícia Civil, na
qual tramita o inquérito sobre os homicídios. A PF passou a ajudar na tomada
dos depoimentos, prisões e buscas, a realizar perícias e a trabalhar na recuperação
dos pertences e corpos.
O delegado enalteceu os indígenas e a Univaja (União dos Povos
Indígenas do Vale do Javari) na busca dos corpos e pertences. “A Univaja nos
apoiou logisticamente e com a expertise deles em mato. Tanto é que foram eles
que acharam a primeira mochila. A gente estava fechado com eles, ‘bom,
encontrou vestígio, para tudo e marca o lugar e nos telefona’, eles têm
telefone satelital, ‘ou a gente vem imediatamente ou, se for de noite, na manhã
seguinte nós vamos’. E foi feito. Eles encontraram uma lona, pararam tudo e nos
chamaram”, disse o delegado.
Peritos e policiais isolaram o local no dia seguinte. As buscas
continuaram e, no final da tarde, foi recuperada também a mochila de Dom
Phillips. Foi um “ponto-chave”, segundo o delegado, que “começou a abrir mais
as coisas”.
“A partir daquele momento, o Amarildo, que já estava preso,
começou a perceber que nós estávamos chegando perto. Ele não sabia exatamente
onde a mochila estava. Eles tinham dividido as tarefas. O ‘Pelado’ foi com o
Jeferson para afundar a canoa, e os parentes dele foram à noite para pegar os
corpos e os pertences pessoais para levar próximo da cova, onde foram queimados
os pertences pessoais.”
Logo depois “Pelado” iria confessar o crime e apontar o local
exato onde os corpos estavam. “Ele me disse, ‘porra doutor, quando vocês
acharam a mochila, aí me deu vontade de confessar porque eu não queria envolver
minha família. Eu vi que vocês já sabiam de tudo, já tinham chegado’. Então
quando ele falou isso, eu falei, bom, ele achava que já tínhamos chegado aos
corpos, e chegando aos corpos, que estavam num lago que fica atrás da
comunidade, a gente ia começar a prender outros familiares.”
Um dos irmãos, “Dos Santos”, foi preso. “Como ele [‘Pelado’] sabia que a família teve uma participação, que ainda vai ser elucidada a que ponto foi efetivamente essa participação, ao menos já tínhamos a certeza de que os familiares ajudaram a ocultar os corpos. Eles já são réus confessos no crime de ocultação de cadáver. Então, temeroso pelo envolvimento maior de sua família, ele, pelo que ele me falou informalmente, pelo que se depreende realmente da dinâmica, parece que foi a mochila o ponto que desencadeou a vontade dele de confessar o crime.”
O papel exato de cada um dos cinco investigados ainda está
sendo apurado pela polícia a partir da reconstituição do crime - foto:
Manobras para “confundir a investigação”
De acordo com o delegado, também já ficou claro que “Pelado” e
seus parceiros no crime na ocultação fizeram manobras para “confundir a investigação”.
Uma das artimanhas foi não afundar o barco de Bruno imediatamente após os
assassinatos. “Pelado” ficou com o barco e continuou subindo o rio, como se
nada tivesse acontecido, para um ponto mais distante da comunidade de São
Gabriel. Ele queria que alguma testemunha dissesse depois à polícia que o barco
fora visto passando pela comunidade de Cachoeira, e foi exatamente isso o que
aconteceu. De longe, a testemunha viu apenas o barco branco de Bruno e daí
deduziu que ele havia passado por lá na manhã do domingo e relatou isso à
polícia. O barco de Bruno, porém, só foi afundado de noite por “Pelado” e Lima.
“No começo da investigação a Polícia Civil chegou a ir à Cachoeira e colheu um relato de uma pessoa dizendo que viu ‘Bruno’ passando com o barco. [O truque de ‘Pelado’] era para confundir a investigação”, disse o delegado. “Eles pensaram, tinha uma estratégia.”
Delegado Alex Perez (polícia civil) e delegado Domingos
Sávio (polícia federal) afirmam que hoje não tem elementos para indiciar um
suposto mandante do crime - foto:
Sávio – na
mesma linha do que já disse à Agência
Pública o delegado da Polícia Civil que preside o
inquérito, Alex Perez, da delegacia de Atalaia do Norte – disse que
a hipótese de um mandante continua não sendo descartada pela polícia, mas que
não há indícios suficientes para iniciar uma investigação contra qualquer
pessoa.
“É uma possibilidade, é uma linha de investigação que está sendo levada em consideração. Hoje não tenho elementos para pedir uma busca na casa de alguém, para indiciar alguém. Não temos elementos nos autos que identifiquem um mandante, mas a gente trabalha com essa hipótese. Vamos tentar esgotar essa possibilidade. Isso será estudado em conjunto com a Polícia Civil, com o delegado Alex, e no âmbito da PF, para ver qual a melhor estratégia. Nada impede que futuramente, surgindo provas… Por exemplo, se chegarmos a um suspeito que esteja envolvido em outros crimes.”
Publicação: Enzo Oliveira/ Radialista Redator RMPTV