Foto: Guilherme Leite - MTB
Análise
foi trazida pela secretária de Assistência e Desenvolvimento Social em
audiência pública que tratou do tema, realizada pela Câmara nesta sexta-feira.
O aumento no número
de pessoas em situação de rua está atrelado a fatores econômicos e sanitários,
apontou Euclídia Fioravante, secretária municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social, durante a audiência pública que abordou o tema,
realizada pela Câmara na tarde desta sexta-feira (16) a partir da convocação
feita pelo vereador Reinaldo Pousa no requerimento 633/2022.
Um estudo do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), citado por Euclídia, já apontava o crescimento
de 140% da população de rua entre setembro de 2012 e março de 2020,
antecipando um quadro que se agravaria com o início da pandemia da covid-19,
logo depois. "O cenário dos últimos anos, de instabilidade política,
econômica e, principalmente, sanitária, agravou muito as situações de
vulnerabilidades sociais. Temos um aumento significativo das pessoas em
situação de pobreza e extrema pobreza. Esse estudo [do Ipea] já sinalizava
que, como estávamos no início da pandemia, esse número iria aumentar ainda
mais. É uma consequência do contexto que estamos: de desemprego, alta inflação
e poder de compra dos salários bastante reduzido", afirmou a secretária.
Euclídia esclareceu
que uma pessoa passa à situação de rua "geralmente por perdas
significativas, de emprego, de salário, de um ente querido que estruturava a
família, dos vínculos familiares", e que a abordagem do problema deve ser
intersetorial, tal como determinam a legislação e as diretrizes técnicas de
políticas nacionais da área. "Essa temática envolve uma
intersetorialidade, pois existe uma sobreposição de vulnerabilidades: pobreza,
habitação, saúde mental, dependência química, questões ambientais. Precisamos
trabalhar em rede e, embora a rede seja furada, ela não pode ter furo muito
grande. Tem que funcionar direitinho para termos a melhor efetividade possível
no atendimento", ilustrou.
A secretária
observou que a discussão sobre a população em situação de rua passa, necessariamente,
pela busca de formas de financiamento das políticas públicas na área. Ela pediu
o apoio dos vereadores para que pressionem a Câmara dos Deputados a votar
proposta de emenda constitucional, em tramitação desde 2017, para a criação de
financiamento do SUAS (Sistema Único de Assistência Social)
"Precisamos da
ajuda dos legisladores para olhar para o financiamento da assistência social,
que não tem recursos próprios. A proposta da PEC é de que 1% do Orçamento da
União seja destinado para a assistência social. Precisamos muito que isso seja
aprovado com urgência, porque o que temos vivido nos últimos anos são cortes
drásticos no orçamento da assistência social. Por mais que queiramos ampliar os
serviços e atender mais pessoas, temos limites orçamentários. Hoje, a gestão
municipal é a que entra com mais recursos, mas precisamos, de alguma forma, que
sejam complementados por recursos federais e estaduais", explicou.
Representantes de
secretários municipais convocados para a audiência pública expuseram o que as
pastas têm feito para lidar com o aumento da população em situação de rua em
Piracicaba.
Luiz Roberto
Mazzero, gestor de áreas públicas, parques e praças, disse que a
Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente faz "duas ou três vezes na
semana" a limpeza e o recolhimento de materiais das praças, sendo
"recolhido só o que realmente ocasiona sujeira no local, como resto
de marmitas". Diante de questionamento feito durante a audiência pública,
ele disse que "nada impede" que a pasta avalie a possibilidade de
estender o horário de funcionamento dos banheiros públicos, que hoje abrem
entre 6h e 21h.
A diretora Rose
Massarutto, ao falar pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico,
Trabalho e Turismo, destacou a existência, nos programas geridos pela pasta, de
vagas prioritárias de emprego a pessoas em situação de rua, a oferta de 1.258
cursos de qualificação profissional em áreas demandadas pelo mercado, as ações
para a formalização de trabalhadores informais e as orientações fornecidas pelo
programa Meu Futuro Emprego para a elaboração de currículo e a participação em
entrevistas de recrutamento.
Vandrea
Novello, coordenadora da Rede de Atenção Psicossocial, da Secretaria
Municipal de Saúde, informou que o Consultório na Rua soma em 2022, até o
último dia 14, 4.979 atendimentos na cidade: são 687 pacientes cadastrados
com prontuários abertos, dos quais 397 não estão mais em acompanhamento, 216
estão ativos e 74 superaram a situação de rua. O serviço itinerante, em
operação em Piracicaba desde 2016, conta com uma equipe composta por uma
terapeuta ocupacional, uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem, uma
cuidadora em saúde e um motorista.
Vanderlei Ricardo
Jangrossi explicou que o Comitê Pop Rua, do qual faz parte, teve seus
representantes eleitos em 2021, atua intersetorialmente e cumpre o papel de
acompanhar as políticas públicas na área. Seus integrantes, salientou, buscam
conhecer "os equipamentos que trabalham em favor das pessoas em situação
de rua" e "entender qual o problema para que possamos agir da forma
correta". Ele elogiou o trabalho das secretarias e de entidades na área.
"É desenvolvido, sim, um trabalho de excelência em Piracicaba."
José Francisco
Calil, responsável pela diretoria de responsabilidade social da Acipi
(Associação Comercial e Industrial de Piracicaba), destacou que a instituição
contribui com várias entidades assistenciais e no programa municipal para a
doação de cestas básicas de forma permanente. "Aprovamos no ano passado a
implantação do projeto Pescar, onde iremos preparar 20 jovens todos os anos
para evitar que caiam na rua no futuro, dando educação cívica, moral e
profissional. Também foi elaborado o projeto de recuperação da praça José
Bonifácio, mostrando como poderíamos fazer sua recuperação, não no sentido de
eliminar o morador de rua da praça, mas dar um melhor futuro para todos,
recuperar esses locais, como se encontra em cidades do exterior",
acrescentou.
Pessoas em situação
de rua que acompanharam a audiência pública desde a galeria do plenário
cobraram da Prefeitura mais oportunidades, apoio e vagas nos serviços da rede
de assistência social.
O soldador
metalúrgico Wagner Pedro da Silva disse ter voltado à situação de rua há três
meses em razão da não-renovação de uma frente de trabalho que havia sido
contratada pela Prefeitura. "Foram mandados embora 50 homens que
trabalhavam na empresa. Estávamos morando numa pensão e trabalhando. O pessoal
quer as oportunidades, mas o prefeito vai cortando", falou.
Daniel Estevão
observou que a Casa de Passagem, que atende pessoas em situação de rua, não
pode dar remédio aos usuários do serviço em casos, por exemplo, de uma dor de
dente, obrigando que se desloquem até a unidade de pronto-atendimento da Vila
Cristina, local mais próximo. "Se não tenho emprego, como vou me
deslocar?", questionou.
Izaías Santos
criticou a fala do representante da Acipi, afirmando que "fantasiou como
se fosse uma história da Disney", e disse que a solução está em dar
condições à pessoa em situação de rua. "Em cima disso precisa ter um
projeto, claramente, que trabalhe ao nosso favor. Sou um exemplo disso: fui
usuário de crack, quase três anos na rua, e hoje superei, mas tem que ter um
acompanhamento de Caps, psiquiatra, psicólogo, um conjunto para tirar essa
pessoa da rua, e ela voltar ao mercado de trabalho e ter lugar para descansar.
Como que a gente, estando na rua, vai cedo numa empresa trabalhar, sabendo que
aqui em Piracicaba só têm duas casas de apoio, com 50 vagas na Casa de
Passagem, tendo 300 pessoas em situação de rua?", indagou.
Ligia Angelocci,
coordenadora do Seas (Serviço Especializado em Abordagem Social), reproduziu a
fala de uma pessoa que esteve na rua por seis anos, segundo a qual "o
acesso à moradia é condição central" para sair dessa situação.
"Precisamos ofertar moradia para que consigam superar. Como a pessoa vai
conseguir permanecer num serviço morando na rua?", perguntou.
Carlos Eduardo de
Almeida, representando grupo voluntário que dá apoio à população em situação de
rua, disse que "a cidade, como um todo, é responsável" pelo cenário
atual. "Muitas coisas levantadas aqui hoje são ilusórias. Muitos não têm força
nem para levantar pegar o lanche. Que pensemos na responsabilidade do Poder
Público. Todos nós somos responsáveis [por isso]."
Diante do grande
número de participações na audiência pública, o vereador Reinaldo Pousa propôs
uma nova reunião, nas próximas semanas, para que encaminhamentos sejam
apresentados à questão. "O intuito nosso é levantar sugestões e trazer
situações que moradores estão passando e que a gente entende que possa ser
melhorado. Não podemos fechar os olhos para como essas pessoas estão vivendo. Elas
precisam da ajuda principalmente do Poder Público e nós, vereadores, precisamos
provocar essas discussões para tirar ideias", comentou o parlamentar.
Pousa defendeu, no
caso da praça José Bonifácio, a centralização na entrega das marmitas feita
hoje por entidades em diferentes períodos do dia. Para evitar o descarte de
comida quando é oferecida por mais de um grupo, o vereador sugeriu que a
alimentação passe a ser entregue em um só local, podendo ser o Teatro São José,
inclusive com mesas e cadeiras para as pessoas em situação de rua "comerem
com dignidade".
Tendo como base um
vídeo gravado por uma câmera de vigilância no Centro, Pousa também chamou a
atenção para a "quantidade de pessoas que vêm de outra cidade para
Piracicaba". "Temos o conhecimento de que, infelizmente, municípios
vizinhos acabam até trazendo a pessoa aqui para a nossa cidade", afirmou.
O vereador Cassio
Luiz Barbosa, o Cassio Fala Pira, cobrou da Prefeitura ações "para
agora", diante da redução verificada em serviços de assistência social.
"A Casa de Passagem hoje comporta 50 pessoas, está lotada",
exemplificou.
O
vereador Acácio Godoy, presidente em exercício da Câmara, ponderou que os
apontamentos feitos na audiência pública mostram que a situação requer
"urgência", "diante de um grande número de pessoas que estão
precisando" de atendimento. "Andamos pelas ruas e vemos que estamos
com uma demanda grande, os espaços que temos estão dentro desse limite e a
tendência é que a procura aumente, com dias de frio e chuva", comentou,
acrescentando que o debate exigirá falar de orçamento e "defender a
alocação de uma verba maior dentro do serviço social".
O vereador Paulo
Camolesi observou que não apenas praças concentram pessoas em situação de rua,
mas também bairros como Piracicamirim e Jardim Ipanema. "Cada pessoa é uma
realidade, então é muito difícil esse trabalho. Tem que ter união, foco. Tirar
todos da rua vai ser difícil. O grande passo para tentar amenizar é que as
entidades se concentrem só num lugar para dar marmitas; as pessoas vão ter
dignidade de sentar e comer."
Na avaliação da
vereadora Rai de Almeida, "a Smads tem se esforçado, mas ainda está
patinando". "Quando falamos de 'praças limpas, como no exterior',
para que possamos ter, precisamos ter as pessoas supridas de todas as suas
necessidades: temos muita gente sem ter onde morar e aí vão para as praças.
Hoje, no Brasil, temos 33 milhões de pessoas em miséria e, em Piracicaba, 14
mil passando fome. A pessoa não vai para a rua porque ela quer; temos o
entendimento de que o problema é como se fosse da pessoa que está na rua. Para
mudar essa realidade, vamos precisar ter financiamento público e aí vamos
discutir orçamento: os pobres estão nos orçamentos públicos?", questionou
a vereadora, que defendeu discutir a questão no âmbito da Região Metropolitana
de Piracicaba.
Em resposta aos
questionamentos, Euclídia Fioravante disse que "não há demanda
reprimida" em relação aos serviços de acolhimento, em razão de parte das
pessoas em situação de rua recusá-los mesmo quando há uma busca ativa feita
pela rede de assistência social. "Oferecemos 50 vagas a mais na
Operação Inverno, todas as noites, por mais de três meses; em média, foram
ocupadas 18 vagas por noite. Não temos essa demanda reprimida, nem mesmo no
frio. Existia todo um esquema de abordagem, de buscar nos pontos e levar para o
acolhimento. Mesmo com esse trabalho do Seas, não preenchemos todas as
vagas."
"Sobre as
vagas na Casa de Passagem: é um serviço de passagem, para quem tem um trabalho,
para superação da trajetória de rua. As pessoas têm que aceitar os serviços da
forma como estão constituídos e organizados, não são todas que querem
participar dos serviços", completou a secretária municipal de Assistência
e Desenvolvimento Social.
A vereadora Ana Pavão e representantes de entidades e órgãos da rede de assistência social também acompanharam a audiência pública.
Publicação: Enzo Oliveira/ Radialista Redator RMPTV