Foto: Dida Sampaio/ Estadão
- Transações financeiras do
militar do exército que atuava como ajudante de ordens do ex-presidente foram
mapeadas pela Polícia Federal por ordem do STF
- Militar pagava contas do clã
presidencial em dinheiro vivo ao mesmo tempo em que operava uma espécie de
“caixa paralelo” no planalto que incluía recursos sacados de cartões
corporativos.
- Pagamentos eram feitos em
agência do banco do brasil localizada dentro do palácio entre as contas pagas
estava a fatura de um cartão de crédito usado pela ex-primeira-dama Michele Bolsonaro,
mas emitido em nome de uma amiga dela.
- Áudios com a voz de Bolsonaro
reunidos pela investigação, sob comando do Ministro Alexandre de Moraes,
indicam que o presidente controlava e tinha ciência de tudo.
As
investigações que correm no Supremo
Tribunal Federal sob o comando do ministro Alexandre de
Moraes avançam sobre um personagem-chave que, por tudo o que
se descobriu até agora e por sua estreita proximidade com Jair Bolsonaro, deixará o ex-presidente ainda mais encrencado.
As descobertas conectam o antigo gabinete de Bolsonaro
diretamente à mobilização de atos antidemocráticos e lançam graves suspeitas
sobre a existência de uma espécie de caixa 2 dentro do Palácio do Planalto, com
dinheiro vivo proveniente, inclusive, de saques feitos a partir de cartões
corporativos da Presidência e de quartéis das Forças Armadas.
O personagem em questão é o tenente-coronel do Exército Mauro
Cesar Barbosa Cid, o “coronel Cid”, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro até os
derradeiros dias do governo que acabou em 31 de dezembro.
O militar compartilhava da intimidade do
então presidente. Além de acompanhá-lo em tempo quase integral, dentro e fora
dos palácios, Cid era o guardião do telefone celular de Bolsonaro. Atendia
ligações e respondia mensagens em nome dele. Também cuidava de tarefas
comezinhas do dia a dia da família. Pagar as contas era uma delas – e esse é um
dos pontos mais sensíveis do caso.
Entre os achados dos
policiais escalados para trabalhar com Alexandre de Moraes estão pagamentos,
com dinheiro do tal caixa informal gerenciado pelo tenente-coronel, de faturas
de um cartão de crédito emitido em nome de uma amiga do peito de Michelle
Bolsonaro que era usado para custear despesas da ex-primeira-dama.
QUEBRA DE SIGILO PERMITIU MAPEAR TRANSAÇÕES
Já era sabido, há tempos, que Cid se tornara
alvo dos inquéritos tocados por Moraes, em diferentes frentes. Ainda no ano
passado, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que mensagens de texto, imagens e
áudios encontrados no celular do oficial do Exército levaram os investigadores
a suspeitar das transações financeiras realizadas por ele.
Pois bem. Depois disso, Moraes autorizou
quebras de sigilo que permitiram revirar pelo avesso as operações realizadas
pela equipe do tenente-coronel, muitas delas com dinheiro em espécie, na boca
do caixa de uma agência bancária localizada dentro do Palácio do Planalto.
As primeiras análises do material já
apontavam que Cid centralizava recursos que eram sacados de cartões
corporativos do governo ao mesmo tempo que tinha a incumbência de cuidar do
pagamento, também com dinheiro vivo, de diversas despesas do clã presidencial,
incluindo contas pessoais de familiares da então primeira-dama Michelle
Bolsonaro.
Durante a investigação, os policiais se
depararam com um modus operandi que lembrava em muito aquele adotado pelo clã
bem antes da chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto e que, anos depois,
seria esquadrinhado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro nas apurações das
rachadinhas do hoje senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do ex-presidente.
Dinheiro manejado à margem do sistema bancário. Saques em espécie. Pagamentos
em espécie. Uso de funcionários de confiança nas operações. As semelhanças
levaram a um apelido inevitável para as transações do tenente-coronel do
Exército: “rachadinha palaciana”.
A certa altura do trabalho, os investigadores
enxergaram indícios fortes de lavagem de dinheiro. Chamou atenção, em especial,
a origem de parte dos recursos que o oficial e seus homens da ajudância de
ordens manejavam.
Para além do montante sacado a partir de
cartões corporativos que eram usados pelo próprio staff da Presidência,
apareceram indícios de que valores provenientes de saques feitos por outros
militares ligados a Cid e lotados em quartéis – sim, quartéis – de fora de
Brasília eram repassados ao tenente-coronel. Os detalhes dessas transações
ainda estão sendo mantidos sob absoluto sigilo, trafegando entre o gabinete de
Moraes e o restrito núcleo de policiais federais que o auxilia nas apurações.
NA BOCA DO CAIXA, DENTRO
DO PLANALTO
As investigações desceram à minúcia das
transações. A partir dos primeiros sinais de que várias delas haviam sido
feitas em espécie, os policiais esquadrinharam as fitas de caixa e pediram até
as imagens do circuito de segurança da agência bancária onde os pagamentos eram
feitos – a agência 3606 do Banco do Brasil, que funciona no complexo do Palácio
do Planalto.
Da mesma forma que o MP do Rio conseguiu
documentar o notório Fabrício Queiroz, operador das rachadinhas, pagando em
dinheiro vivo contas de Flávio Bolsonaro, os policiais a serviço de Alexandre
de Moraes foram buscar os registros em vídeo de que pessoas da equipe de Cid, o
ajudante de ordens do presidente, eram as responsáveis por quitar – também em
espécie, assim como Queiroz – os boletos do presidente, da primeira-dama e de
seus familiares.
MICHELLE E O CARTÃO DA AMIGA
Entre os pagamentos, destacavam-se faturas de
um cartão de crédito adicional emitido por uma funcionária do Senado Federal de
nome Rosimary Cardoso Cordeiro. Lotada no gabinete do senador Roberto Rocha, do
PTB do Maranhão, Rosimary é amiga íntima de Michelle Bolsonaro desde os tempos
em que as duas trabalhavam na Câmara assessorando deputados.
Rosi, como os mais próximos a chamam, é
apontada como a pessoa que aproximou Jair Bolsonaro e Michelle quando o
ex-presidente ainda era um deputado do baixo clero que nem sonhava um dia
chegar ao Palácio do Planalto. Moradora de Riacho Fundo, cidade-satélite de
Brasília distante pouco mais de 20 quilômetros do centro do Plano Piloto, até
hoje ela mantém laços estreitos com o casal.
A antiga amizade ganhou toques de glamour depois que a senhora
Bolsonaro virou primeira-dama do Brasil – passou a contar, por exemplo, com
viagens a bordo de jatinhos e até do avião presidencial. Em maio do ano
passado, Rosi acompanhou Michelle em um tour por Israel que contou, ainda, com
a participação da então ministra Damares Alves. As duas também foram juntas, em
voos fretados pagos pelo PL, para eventos da campanha de Jair Bolsonaro à
reeleição.
Em uma viagem oficial de Bolsonaro ao
Maranhão, Rosi foi convidada a integrar a comitiva presidencial e registrou
fotos ao lado dele na cabine principal do Airbus que serve à Presidência. A
ascensão de Michelle fez a amiga também ascender no Congresso. No início do
governo, era telefonista no gabinete de Rocha, aliado de Bolsonaro. Logo
depois, foi promovida e viu seu salário aumentar. No fim do ano passado, ela
ocupava um dos cargos comissionados mais altos da equipe, com salário de R$ 17
mil brutos. Como o mandato de Rocha está a dias do fim, Rosi já tem a promessa
de ganhar uma função no futuro gabinete de Damares, eleita senadora pelo
Distrito Federal. Michelle, claro, deu uma força.
ÁUDIOS DE BOLSONARO E
CONEXÃO COM RADICAIS
O material reunido nas investigações sobre o
tenente-coronel o coloca na cena da sucessão de atos antidemocráticos que já
vinham sendo investigados por Moraes e que culminaram com a invasão das sedes
dos três poderes, em 8 de janeiro. Pela proximidade com Bolsonaro e pela função
que o militar exercia no Planalto, o ex-presidente é peça indissociável dos movimentos
que ele fazia.
Em mensagens de texto e áudio, o
tenente-coronel funcionava como elo entre Bolsonaro e vários dos radicais que
há tempos vinham instigando a militância bolsonarista a atentar contra as
instituições. Há fartas evidências nesse sentido. Um dos contatos frequentes de
Cid era Allan dos Santos, o blogueiro que vive nos Estados Unidos e em outubro
de 2021 teve a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Jair Bolsonaro terá sérias dificuldades para
se desvencilhar, ele próprio, das provas que engolfam seu ex-ajudante de
ordens. O material compromete os dois. O ex-presidente aparece como
interlocutor em várias das mensagens que Cid mantinha em seus aplicativos e
foram copiadas pelos investigadores com autorização de Moraes. Uma série de
áudios enviados por Bolsonaro ao subordinado indicam que ele tinha conhecimento
e controle de tudo o que Cid fazia — seja na seara financeira, pagando as
contas do clã em dinheiro vivo, seja na interlocução com os bolsonaristas
radicais.
CID PAI, CID FILHO E
BOLSONARO
Jair Bolsonaro e o tenente-coronel Mauro
Cesar Barbosa Cid têm uma relação que transcende a carreira militar do
ex-ajudante de ordens. O pai de Cid, general Mauro Cesar Lourena Cid, foi
colega do ex-presidente no curso de formação de oficiais do Exército. Lourena
Cid tornou-se amigo de Bolsonaro. Em 2019, ano em que foi para a reserva, ele
ganhou do governo a confortável posição de chefe do escritório da Apex, a
agência brasileira de promoção de exportações, em Miami. Com salário em
dólares, o cargo lhe garantiu uma bolada mensal equivalente a mais de R$ 80
mil.
Cid filho, o ajudante de ordens, também
ascendeu na carreira durante o governo passado. Era major e foi promovido a
tenente-coronel. Tido como um dos mais radicais auxiliares do ex-presidente, o
oficial já havia aparecido em várias das frentes de investigação a cargo de
Moraes no STF.
Ele foi investigado, por exemplo, por suspeita de atuar no
vazamento de informações de um inquérito sigiloso sobre ameaças às urnas
eletrônicas — parte do velho movimento bolsonarista destinado a descredibilizar
o sistema eleitoral. Em dezembro passado, a Polícia Federal concluiu que o
tenente-coronel Cid e Bolsonaro cometeram crime ao associar falsamente, durante
um live, as vacinas anticovid com o vírus da Aids.
CID ESTÁ NOMEADO PARA
CHEFIAR COMANDO DE FORÇAS ESPECIAIS
Antes de deixar o poder, Bolsonaro dispensou
o tenente-coronel Mauro Cid da função de ajudante de ordens. O ato foi
publicado em 31 de dezembro. O futuro do militar, porém, ficou encaminhado — e
de uma forma não muito agradável para o novo governo. Com a bênção do então
presidente, o comando do Exército o designou para comandar nada menos que o 1º
Batalhão de Ações e Comandos, o 1º BAC, uma das unidades do prestigiado e
temido Comando de Operações Especiais, com sede em Goiânia.
O batalhão reúne as mais bem treinadas tropas de elite do Exército
e seus homens têm por atribuição, por exemplo, realizar operações de emergência
para debelar ameaças a Brasília e, em eventuais situações de guerra, cumprir
missões delicadas contra alvos tidos como difíceis. Textos publicados pelo
próprio Exército dizem que cabe às tropas do BAC atuar em “ações contra alvos
de alto valor” em “áreas hostis ou sob controle do inimigo”.
Mais cedo ou mais tarde, a designação de Cid
para o posto será motivo de mais dor de cabeça para o novo governo na delicada
relação com o alto comando do Exército — a quem, teoricamente, caberia uma
eventual decisão capaz de reverter o ato assinado no apagar das luzes do
governo Bolsonaro. Depois das invasões das sedes dos poderes, em 8 de janeiro,
nas quais Lula já disse abertamente ter visto o dedo de militares, manter uma
unidade tão sensível sob comando de um oficial sabidamente bolsonarista e
reconhecidamente radical certamente será um problema para o atual chefe do
Planalto.
Indagado pela coluna, o Exército informou
nesta quinta-feira que a designação de Mauro Cid está mantida. O staff de
imprensa da corporação disse não saber, porém, a data em que ele assumirá o
comando do batalhão. O tenente-coronel viajou com Jair Bolsonaro para a
Flórida, nos Estados Unidos, nos últimos dias de 2022.
“É PESSOAL”, DIZ AMIGA
DE MICHELLE
A coluna tentou por mais de uma vez ouvir
Rosimary, a amiga que cedia um cartão para Michelle Bolsonaro. Ela se negou a
falar sobre o assunto. Primeiro, disse que estava em um almoço. “Bom, querido,
quando eu for (informada da investigação) aí eu falo sobre o assunto, tá bom?
Mas nesse momento eu não posso falar. Estou em almoço, estou com meu chefe aqui
em reunião”, disse
Horas depois, abordada novamente, desta vez no Senado, ela
respondeu o seguinte: “É um assunto tão pessoal… Não quero falar. Até porque eu
acho que não preciso dar satisfação para entrevista. É uma coisa minha,
pessoal. (…) Eu não tô sabendo (da investigação), não, mas se tiver (sic) eu já
vou resolver com os advogados, né? (…) Eu não quero tocar nesse assunto que não
seja com advogado”.
A coluna tentou contato com Jair e Michelle
Bolsonaro e com o tenente-coronel Mauro Cid nesta sexta-feira, sem sucesso.
Interlocutores do ex-presidente e da
ex-primeira-dama disseram que Cid precisava lidar com dinheiro em espécie
porque muitas das despesas, especialmente as que envolviam a primeira-dama,
“tinham valor ínfimo” e precisavam ser pagas diretamente a fornecedores que
“prestavam serviços informalmente”.
Apesar de admitirem haver “confusão” com os
valores em espécie, esses mesmos interlocutores negaram que contas pessoais do
clã e de parentes de Michelle fossem pagas com os recursos que eram
provenientes de saques corporativos do governo.
Não houve resposta sobre o pagamento dos
boletos, especialmente os do cartão que era cedido pela amiga de Michelle
Bolsonaro, e das contas de familiares da ex-primeira-dama. Tampouco houve
explicação sobre as razões pelas quais os tais “serviços de fornecedores”, por
exemplo, não poderiam ser quitados por transferência bancária.
Horas depois, abordada novamente, desta vez no Senado, ela
respondeu o seguinte: “É um assunto tão pessoal… Não quero falar. Até porque eu
acho que não preciso dar satisfação para entrevista. É uma coisa minha,
pessoal. (…) Eu não tô sabendo (da investigação), não, mas se tiver (sic) eu já
vou resolver com os advogados, né? (…) Eu não quero tocar nesse assunto que não
seja com advogado”.
A coluna tentou contato com Jair e Michelle
Bolsonaro e com o tenente-coronel Mauro Cid nesta sexta-feira, sem sucesso.
Interlocutores do ex-presidente e da
ex-primeira-dama disseram que Cid precisava lidar com dinheiro em espécie
porque muitas das despesas, especialmente as que envolviam a primeira-dama,
“tinham valor ínfimo” e precisavam ser pagas diretamente a fornecedores que
“prestavam serviços informalmente”.
Apesar de admitirem haver “confusão” com os
valores em espécie, esses mesmos interlocutores negaram que contas pessoais do
clã e de parentes de Michelle fossem pagas com os recursos que eram
provenientes de saques corporativos do governo.
Não houve resposta sobre o pagamento dos boletos, especialmente os do cartão que era cedido pela amiga de Michelle Bolsonaro, e das contas de familiares da ex-primeira-dama. Tampouco houve explicação sobre as razões pelas quais os tais “serviços de fornecedores”, por exemplo, não poderiam ser quitados por transferência bancária.
Matéria Exclusiva do metropoles.com
Publicado por Danilo Telles, Jornalista da Rádio Metropolitana