Foto: Guilherme Leite
Recomposição
salarial será de 5,92% em março e 3,17% em julho; parlamentares apontaram
inconstitucionalidade no artigo 6º, que estende recomposição para agentes
políticos.
A Câmara
garantiu reajuste imediato de 5,92% aos servidores públicos municipais, com a
aprovação do projeto de lei 51/2023,
em reuniões extraordinárias realizadas na tarde desta sexta-feira (24). A
recomposição é retroativa a 1º de março, mês que é a data-base do
funcionalismo, e é aplicada à tabela de vencimentos e salários do quadro
de pessoal da Prefeitura, das autarquias e da Câmara.
O percentual busca repor as perdas inflacionárias calculadas com
base em três indicadores de preço (IPC-Fipe, INPC-IBGE, IPCA-IBGE), referentes
ao período de março de 2022 a fevereiro de 2023, e é resultado de acordo entre
o Executivo, autor do projeto de lei, e o Sindicato dos Trabalhadores
Municipais de Piracicaba e Região, que acatou a contraproposta do governo em
assembleia no último dia 16.
A propositura aprovada pela Câmara também definiu 1º de julho
como a data para a aplicação dos 3,17% de recomposição que haviam sido
acordados em 2022 em assembleia do sindicato da categoria. Trata-se da
segunda de três parcelas (a primeira, de 3,17%, foi aplicada em julho do ano
passado e a terceira, de 3,16%, deve ser paga em março de 2024) para a
reposição das perdas inflacionárias acumuladas de março de 2019 a fevereiro de
2021 —quando não houve recomposição salarial dos servidores devido à pandemia.
A aprovação do projeto de lei 51/2023, embora unânime, levou
vereadores à tribuna, logo após a votação, para contestar o texto que foi
enviado pelo Executivo à Câmara em razão de o artigo 6º afirmar que as
recomposições de 5,92% e 3,17% "são extensivas aos subsídios do prefeito,
vice-prefeito e secretários municipais". Os parlamentares que se manifestaram
apontam que o prefeito Luciano Almeida, que assina o projeto de lei, comete
ilegalidade ao reajustar o próprio vencimento durante seu mandato, em afronta à
Constituição Federal. "Cavalo de Troia", "pegadinha",
"molecagem" e "tiro no pé" foram algumas das
expressões usadas pelos parlamentares para classificar a ação.
O chefe do Executivo apresenta a justificativa de que os
subsídios dos agentes políticos "receberam o último reajuste em março de
2015, impactando diretamente no teto de gastos dos servidores", que é
limitado pelo valor do subsídio recebido pelo prefeito. "Considerando que
mais de 100 servidores, principalmente da área da saúde, já atingiram o teto de
gastos para pagamento de pessoal, que é a remuneração do prefeito, a qual não é
reajustada ou recebe qualquer recomposição desde 2015, nos obriga à aplicação
dessa recomposição aos agentes políticos do Poder Executivo, para que seja
possível conceder de forma justa a recomposição dos próprios servidores
públicos municipais", afirma Luciano Almeida.
Os vereadores que criticaram o prefeito salientaram que
aprovaram o projeto de lei para garantir a recomposição salarial do
funcionalismo, apesar da inconstitucionalidade que, afirmam, a proposta
apresenta. "Só votei a favor para não prejudicar o funcionalismo que
carrega o piano e faz a coisa acontecer na cidade. O PL veio com prazo muito
curto e, para se rodar a folha de pagamento, tem que mandar hoje para não haver
prejuízos", disse André Bandeira (PSDB).
"No ano passado, o prefeito fez a mesma 'molecagem', essa
Câmara bateu de frente e ele mandou mensagem modificativa retirando o reajuste.
Neste ano, novamente, a Mesa Diretora e o presidente foram ao prefeito e ele
foi irredutível, dizendo que não tiraria o artigo 6º com a justificativa de que
teria que ajudar os médicos que hoje recebem o teto do prefeito. Vai resolver?
Duvido", comentou o vereador, que alertou para o risco de todo o projeto
ser contestado judicialmente e gerar prejuízos ao funcionalismo.
"A qualquer momento pode entrar uma Adin (Ação Direta de
Inconstitucionalidade), às vezes questionando só o artigo 6º, mas pode entrar
contestando o projeto inteiro. Por isso insisto na irresponsabilidade do
prefeito, de colocar em risco essas pessoas. Fica aqui a minha indignação e
preocupação. Se houver uma Adin mesmo, esse prefeito vai ter que devolver, os
secretários vão ter que devolver e os servidores que recebem o teto também
terão que devolver o que receberam. Olha a situação que o prefeito coloca hoje
o funcionalismo de Piracicaba! Fica aqui um pedido para o senhor [Luciano
Almeida]: já que a justificativa é auxiliar os médicos, então o senhor e os
secretários não precisam receber", completou.
"Votei 'Sim' para não prejudicar os servidores, mas sou
contrário, pois entendo juridicamente que não pode ser extensivo ao prefeito,
vice e secretários. Poderia vir aumento para a próxima legislatura, não para
esta. Aí seria correto, moral, legal: pega os 10 anos que estão sem aumento e
coloca isso para 2025, e não para agora", disse Laércio Trevisan Jr. (PL).
"O prefeito não é pessoa séria, insiste em colocar essa
batata no nosso colo. Isso é subestimar a inteligência das pessoas. Como manda
um projeto sabendo que não pode aumentar o próprio salário? Como coloca tudo
num mesmo pacote? É para nos colocar contra os funcionários públicos. O projeto
é ilegal, o MP [Ministério Público] vai barrar, mas quando eu for para o posto,
o médico vai falar que a gente votou contra. Isso é uma maldade, uma crueldade,
não com a gente, ao nos deixar em saia-justa, mas para quem espera uma
administração séria", declarou Cássio Luiz Barbosa (PL), o Cássio Fala
Pira.
"Isso pode ser um tiro no pé e voltar tudo para a estaca
zero. Não deveria ter esse artigo 6º, legislar em causa própria", comentou
Silvia Morales (PV), do mandato coletivo A Cidade é Sua. "Votamos 'Sim',
com ressalvas. Todos nós temos um apontamento a fazer, não queremos enganar o
povo", declarou Ana Pavão (PL), também apontando inconstitucionalidade no
projeto.
"Temos na ativa 8 mil servidores públicos municipais. Esse
montante, reajuste de 9%, ainda é pouco, levando-se em conta o que tem em caixa
hoje. Mas, para piorar ainda mais essa situação, no bojo do projeto, vem para
nós a recomposição do prefeito e dos secretários com o argumento de que serve
para beneficiar mais de 100 servidores. Vai aumentar em R$ 900 para os
médicos, isso não vai melhorar em nada para eles", disse Paulo Campos
(Podemos), que destacou que a questão deve ser resolvida em projeto à parte,
com validade a partir da próxima legislatura.
"Pelo princípio da anterioridade, não se pode aumentar o
subsídio para este mandato, tem de ser para o subsequente. É inconstitucional o
aumento ao prefeito e aos secretários! Provavelmente será objeto de ação
que alguém vai entrar e vai cassar esse aumento. Votamos com essa
ressalva: para que não sejam prejudicados os 8 mil servidores ativos, sem
contar os inativos. Só votamos para que não soe ruim para a sociedade. O
prefeito dá a conotação de que quer jogar os servidores contra nós, e isso não pode
acontecer. Difícil falar de harmonia entre os poderes quando não se
dialoga", acrescentou.
Zezinho Pereira foi outro vereador a alertar para o risco de o
projeto ser contestado na Justiça em razão do artigo 6º. "A preocupação é
de que isso aconteça e tenham que devolver o dinheiro. Só votei a favor porque
não quero encontrar médicos e dentistas descontentes. O aumento de R$ 900, R$
1.000 será muito pouco, ou então eles vão trabalhar em outras cidades da região
que pagam mais; tanto é que perdemos mais de 180 médicos."
"Servidor público é aquele agente de saúde que atende
nossos filhos no postinho do bairro, que nos ajuda nas atividades cotidianas do
município, viabilizando serviços, como os guardas e os agentes fiscais e de
trânsito. Todos nós temos grande respeito pela categoria. Aí, no momento de
reconhecer o trabalho desse servidor, na hora de fazer essa reposição por lei,
vem um 'cavalo de Troia' dentro do projeto falando de outra questão, o aumento
ao agente político, no artigo 6º. Em qual posição ficamos? De, de repente,
cometer uma injustiça com toda a categoria dos servidores [com o risco de a
Justiça contestar]", refletiu Acácio Godoy (PP).
O vereador, que é presidente da Comissão de Legislação, Justiça
e Redação da Câmara, falou da tentativa da Câmara em alertar o Executivo sobre
a inconstitucionalidade do artigo 6º. "No intuito de resolver o teto do
salário dos médicos, essa não é a ferramenta para fazer esse ajuste. E não
deveria estar dentro da reposição do servidor, mas o Executivo insistiu. Alertamos
que ele poderá responder a um processo de inconstitucionalidade, que eu espero
que afete só o artigo 6º, e não todos os servidores. É uma maturidade desta
Casa de Leis de buscar o bem maior. O aumento do agente político tem o seu
próprio momento, porém não é este", ponderou.
Thiago Ribeiro (PSC), relator do colegiado, disse que, se
Luciano Almeida quer ser reconhecido como um "prefeito legalista",
que então vete o artigo 6º. "O Jurídico da Câmara tentou diálogo com o
Executivo, que foi irredutível em relação ao artigo 6º. Se vier a Adin,
servidores públicos, penalizem o chefe do Executivo, que não teve a
sensibilidade de tirar o artigo 6º desse projeto. Isto, sim, é má-fé: querer
fazer a Câmara parecer vilã, querer jogar os servidores contra esta Casa. Se perder
o projeto inteiro, teremos um culpado: Luciano Almeida, que não senta para
dialogar e se diz legalista. Ainda há tempo de retirar esse artigo 6º do
projeto."
"O prefeito encaminha o projeto de lei a toque de caixa,
com o aumento do salário dos servidores discutido com o Sindicato dos
Municipais, só que dentro vem uma 'pegadinha', aumentando o subsídio dele, de
secretários e de presidentes de autarquia. Ele sabe que é ilegal, mas é aquela
justificativa de que 'precisa resolver o salário dos médicos'. A solução desse
problema é acertar o subsídio do prefeito para o próximo mandato, é o que a
Constituição Federal fala. Podemos aumentar, sim, para a próxima legislatura,
em 2025, que é o que tentamos fazer no ano passado", disse Gilmar Rotta
(PP), em menção ao período em que foi presidente da Câmara.
"É só este o caminho: é lei federal e ele e o
procurador-geral do município sabem disso. Só que o prefeito fez essa pegadinha
e trouxe o projeto para cá, porque nós, vereadores, sabemos da falta de
médicos. Se esta Câmara rejeita esse projeto, íamos ouvir que rejeitamos os
médicos na cidade, então votamos com ressalvas. O prefeito entra numa
incoerência total. Ele se diz legalista: aprovamos este ano o projeto da
desocupação dos imóveis, ele vetou, foi derrubado o veto e ele foi à Justiça
contestar. Bela coerência", ironizou o parlamentar, que em seguida sugeriu
que Luciano Almeida "use o direito de veto e vete o artigo 6º".
Integrantes da Mesa Diretora da Câmara, a primeira-secretária
Alessandra Bellucci (Republicanos) disse que os vereadores votaram a favor do
projeto de lei "pelo bem da cidade". Suplente da segunda
secretaria, Gustavo Pompeo (Avante) recordou que o presidente, Wagner de
Oliveira (Cidadania), o Wagnão, "está fazendo de tudo, junto com a Mesa,
para que seja sanada essa questão do teto e os médicos tenham o seu salário
equiparado, pelo menos, com os da nossa região". "O foco principal,
em todas as reuniões, é de que, quando vier [o projeto para elevar o teto], o
presidente vai colocar para votação. Esta Mesa se compromete a sempre valorizar
o funcionalismo público", disse Gustavo Pompeo. Wagnão está hospitalizado
e, por isso, não esteve presente nas reuniões extraordinárias desta
sexta-feira.
Líder do governo Luciano Almeida na Câmara, Josef Borges (Solidariedade)
reconheceu os riscos que o Executivo está assumindo diante de uma interpretação
que a Procuradoria Geral do Município fez da legislação, já que se trata, como
salientou o vereador, de reposição inflacionária, e não de aumento salarial (ou
seja, ganho real). O parlamentar ponderou que o prefeito seria criticado da
mesma forma se não buscasse a atualização de seus subsídios a fim de atualizar
o teto salarial do funcionalismo.
"O prefeito está tentando aumentar o teto no intuito de que a classe médica e os dentistas possam receber esses 9,9%. Se ele não faz isso, falam que ele não quer [aumentar o teto]; se faz, está incorrendo em inconstitucionalidade. A Procuradoria encontrou uma brecha onde diz que é possível elevar o teto através da reposição inflacionária, e o que pode ocorrer é que o MP pode mover uma ação de inconstitucionalidade referente ao artigo 6º, que trata dos agentes públicos. O MP pode derrubar e aí esse esforço do prefeito vai por água abaixo. Corre-se esse risco e o desgaste político de insistir nessa tese. Como líder do governo, fui contrário a correr esse risco para esse aumento de R$ 900. Mas a vida de prefeito não é fácil", declarou Josef Borges.
Texto: Câmara Municipal de Piracicaba
Publicação: Enzo Oliveira/ Radialista e Redator RMPTV