Foto: Divulgação/ Vanderlei Zampaulo
A decisão do presidente de Lula de determinar a suspensão
da implantação do “novo” ensino médio gestado no governo Michel Temer, em 2017,
oferece uma oportunidade única do Brasil corrigir um dos maiores erros
cometidos na política pública educacional nas últimas décadas.
Há duas razões para embasar essa afirmativa e ambas levam a
um arranjo que em tudo diverge da maneira certa de se formular uma política
pública. A primeira é a falta de participação dos principais destinatários
deste que é o primeiro direito social consagrado pela Constituição Cidadã de
1988. Se parece óbvio afirmar que erra menos quem escuta mais, neste caso
sequer havia alternativa, posto que a gestão democrática da Educação é
princípio consagrado no art. 205 do texto constitucional.
A segunda é técnica e escancara a fragilidade desse projeto
educacional. De acordo com as evidências disponíveis, sabia-se que o maior
percentual de abandono escolar ocorria – e segue acontecendo – no ensino médio.
Dados do censo escolar, feito pelo INEP, apontam que em estados como Pará o
abandono chegou a 17% em 2021. Em São Paulo, estado mais desenvolvido do país,
o indicador foi de 4%, mas o número é quase 4 vezes maior do que a média
nacional de abandono no ensino fundamental, que foi de 1,2% no mesmo período.
Inúmeras razões explicam esse fracasso e o modelo proposto
não deu conta de nenhuma delas. Ao ampliar o número de horas em sala de aula, a
reforma promovida por Temer desprezou a enorme quantidade de alunos em situação
de vulnerabilidade que são obrigados a trabalhar quando crises econômicas
surgem ou se agravam, como durante a pandemia da COVID-19, mas não só.
Segundo pesquisa do IPEC de setembro de 2022, contratada
pelo UNICEF, 48% dos jovens de 11 a 19 anos que abandonaram os estudos durante
a pandemia o fizeram para trabalhar. A mesma pesquisa concluiu que os maiores
prejudicados são os jovens das classes D e E: o abandono, nessa faixa de idade,
é de cerca de 17%, contra 4% dos que vêm de famílias de classe A ou B.
Da mesma forma, a adoção de “itinerários formativos”
desprezou a existência de profundas desigualdades regionais e locais. Se o
objetivo fosse de fato ampliar o protagonismo dos estudantes, estes não
poderiam ter sido excluídos da participação no debate público. Além disso, um
longo percurso de monitoramento e avaliação contínuo deveria ter sido
instituído para dar suporte e apoio aos estados e municípios menos preparados
para mudanças dessa magnitude.
Sem esse acompanhamento, o que se observou foi um
empobrecimento do currículo escolar, que comprometeu tanto a formação básica quanto
os ditos itinerários formativos, que, em diversas localidades, passaram a
contemplar conteúdos desconectados da realidade, tais como cursos de maquiagem
e de preparação de brigadeiros. Na prática, se precarizou ainda mais uma realidade
que, pelas mais variadas razões, já era precária.
A novo ensino médio, ademais, foi imposto sem que se
resolvesse o baixo investimento por aluno feito no Brasil em comparação com
seus vizinhos. Dados de um estudo da OCDE de 2019 mostram que o país investe em
média 4500 dólares por ano por aluno – considerando uma média de 14.200 dólares
por ano por aluno do ensino superior e 3.800 dólares por ano por aluno do
ensino fundamental e médio, o que, em si, já revela enorme distorção. No Chile,
país de economia menos vibrante, o gasto médio é de 7.700 dólares e na
Argentina, país assolado por crises econômicas intermináveis, o valor chega a
5.600 dólares.
O mesmo estudo desnuda que a valorização do magistério
segue relegada a um segundo plano, a despeito de sua centralidade no Plano
Nacional de Educação de 2014. A média salarial anual dos professores de ensino
médio alcança, no Brasil, 23.900 dólares, pouco mais da metade da média
salarial anual dos países da OCDE, que é de 45.800 dólares.
O ensino médio é uma etapa importante demais para ser relegada a reformas oportunistas. Ele deve ser o espelho de expectativas legítimas da sociedade brasileira e cumprir o papel que dele se espera nos termos do projeto jurídico-político de nação tirado do texto constitucional: preparar a juventude para o exercício da cidadania e para um mundo do trabalho em constante transformação. Mais do que isso: deve colaborar decisivamente para a edificação de um país justo, fraterno e próspero. Não para a morte dos sonhos e do futuro de nossas crianças e adolescentes.
Artigo assinado por: Professora
Bebel, presidenta da Apeoesp e deputada estadual pelo PT