Foto: Selam
“A minha família ao meu lado. Os meus filhos,
Francine, Kiko e Fabiane, e minha esposa Doraci. Todos juntos, acreditando e
realizando um projeto. Essa é a foto da minha vida”. É impossível contar a
história do tênis de mesa no Brasil sem mencionar o piracicabano Francisco
Eduardo Bueno de Camargo, o Fran. Aos 64 anos, ele herdou o gosto pelo
pingue-pongue (sim, pingue-pongue!) do pai, José Antonio Bueno de Camargo, o
José ABC. “Meu pai, no início dos anos 1950, jogava pingue-pongue. Era
pingue-pongue mesmo, porque o tênis de mesa foi introduzido em Piracicaba em
1957, quando o Biriba, que era uma lenda, veio para cá”, recordou.
A ligação com a mesa, as bolinhas e a raquete
começou quando Fran tinha apenas 9 anos de idade. “Meu pai já era jornalista,
mas o meu tio, Antonio Carlos Usberti, que era dentista, jogava representando a
cidade. Eu estava no basquete e queria ver os jogos. Meu tio me levava, fechava
o consultório e íamos. O tênis de mesa sempre esteve na minha vida. Sempre tive
facilidade. Mas o interesse pelo esporte veio pelo meu pai”, contou.
Jornalista esportivo, José ABC levava o filho
para assistir competições, o que deixou Fran fascinado. “Adorava! O que eu mais
fazia era jogar futebol no Dom Bosco, mas algumas vezes as quadras estavam
ocupadas. Então, havia uma mesa lá. Era uma brincadeira, uma distração”, disse,
recordando também das vezes que praticava em casa, na mesa de jantar. Ativo no
esporte, Fran participou pela primeira vez aos 11 anos dos Jogos Infantis,
competição que envolvia todas as escolas da cidade e durava duas semanas. O
resultado? Oito medalhas de ouro. “Eu treinava sozinho, empiricamente. Pulava
na rua, saltava, jogava bola, tênis de mesa. Lembro que ganhei as provas de 50
e 100 m, salto em altura, salto em distância, basquete, vôlei… Isso me fascinou
ainda mais”, afirmou.
Em paralelo, Fran jogava basquete e futebol. No primeiro campeonato de futebol na categoria dente de leite realizado em Piracicaba, disputado na década de 1960, Fran era o capitão do XV. A equipe chegou à final e teve um pênalti para cobrar. “Eu bati e errei. A bola deu nas duas traves e saiu. Foi a minha primeira frustração. Eu treinava no antigo estádio do XV (Roberto Gomes Pedrosa) e lembro de estar com as chuteiras nas costas quando encontrei o Joãozinho, meu reserva na época. Eu era um bom meia-armador. Ele me disse: ‘Fran, você joga onde quiser. Eu não. Não tenho dinheiro e nem chance. Estou investindo tudo no futebol. Se você continuar aqui, eu não jogo’. Peguei a chuteira e entreguei para ele. Nunca mais joguei futebol”, disse. Joãozinho, que mais tarde seria conhecido como Joãozinho Paulista, faria carreira no futebol: primeiro no XV e depois no Atlético-MG, chegando à final do Brasileirão, em 1977, além de fazer história no CRB de Alagoas.
Foto: Selam
O prazer encontrado no esporte, porém, nunca
se repetiu com as salas de aula. A rotina do menino era pular o mulo da escola
para jogar bola ou ir ao ginásio assistir partidas de basquete. A ‘esperteza’,
contudo, foi desmontada. “Ligaram para o meu pai e contaram que eu não aparecia
na escola havia seis meses. Meu pai descobriu aonde eu estava e me puxou pelo
cabelo até chegar em casa. No dia seguinte, comecei a trabalhar com ele no
jornal, vendendo assinaturas. Mas, na hora do almoço, eu descia na redação,
pegava uma lauda e começava a escrever. Depois, rasgava tudo e colocava no
lixo. Uma vez, eu esqueci. Meu pai viu o texto e perguntou o que era aquilo na
redação. Quando ele soube, no dia seguinte, me acordou e falou para eu ler a
última página, pois teria uma surpresa: tomei o café, peguei a página de
esportes e lá estava minha coluna no Jornal de Piracicaba: Corta Luz (Fran)”,
relembrou.
No matutino, também desenvolveu a paixão pela
fotografia – aos 14 anos, foi o primeiro fotógrafo profissional contratado pela
empresa. “A primeira máquina tinha um flash bem vagabundo (risos)”, brincou.
Mas a principal vocação do piracicabano sempre foi a de treinador, independente
da modalidade. Ainda nos Jogos Infantis, foi o responsável pelas primeiras
medalhas conquistadas pela Escola Estadual Jaçanã Altair Pereira Guerrini.
“Entre 1974 e 76, ganhamos tudo pelo Palmeiras (Clube de Regatas Palmeiras),
quando me pediram para jogar e tomar conta da equipe, e acabei como jogador e
técnico. Vencemos os Jogos Interclubes de Piracicaba, que eram famosos e
envolviam toda a cidade. Aí fui convidado pelo presidente Laerte Ramos de Moura
para trabalhar no Clube de Campo de Piracicaba (CCP) e começamos a nos destacar
em eventos fora daqui. Resumindo: aos 18 anos, já era técnico no clube e na
Prefeitura de Piracicaba”.
Em 1975, quando jogava basquete, Fran foi
afastado pelo técnico Roberto Filetti da equipe de Piracicaba que iria disputar
os Jogos Regionais por indisciplina. O desejo de participar do evento o levou a
oferecer para a Comissão Municipal de Esportes, embrião da atual Secretaria de
Esportes, Lazer e Atividades Motoras (Selam), a montagem de uma equipe de tênis
de mesa. Em 1977, vieram as primeiras medalhas da modalidade no certame. No ano
seguinte, o primeiro título de campeão. De lá para cá, apenas em 1999 a equipe
piracicabana não venceu a competição no tênis de mesa. A evolução na modalidade
foi meteórica. Em 1981, Fran assumiu o cargo de técnico da seleção paulista;
dois anos depois, ingressou na seleção brasileira, primeiro como técnico e
depois na função de coordenador geral das categorias de base. Porém, o cenário
não era um ‘mar de rosas’.
“No começo, encontrei muita resistência da colônia japonesa. Eu era o estranho no ninho, a seleção brasileira era algo muito fechado. Fui procurar o pessoal para aprender, mas ninguém me ofereceu nada e então passei a estudar por conta própria. Para pegar uma revista japonesa, lá em São Paulo, na Liberdade, e ter mais acesso à informação, tive que pedir para um amigo japonês reservar. Era muito restrito, mas consegui o respeito à base de resultados e esforço próprio desde o início”, relatou.
Foto: Arquivo/ Fran TT
PROFISSIONALIZAÇÃO
Fran mapeou o mercado do tênis de mesa e foi
pioneiro para a profissionalização da modalidade, elaborando clínicas e
oferecendo consultoria. Em 1991, participou da conquista da primeira medalha
feminina do Brasil na história dos Jogos Pan-Americanos, em Cuba. “Eu já tinha
três filhos pequenos e precisava sobreviver. Então, comecei a pensar: o tênis
de mesa não desenvolve porque não tem clube, e se não tem clube, não tem
jogador. Qual é o elemento que pode movimentar isso? Os técnicos. Se consigo
treinadores, crio a demanda. Nos primeiros três anos, formei 30 técnicos. Isso
aumentou o número de clubes, despertou o interesse e criou um mercado paralelo.
Voltamos a dominar na América do Sul”, destacou.
O lucro virou investimento: Fran chegou a
formar mais de 500 técnicos, treinando na Universidade Metodista de Piracicaba
(Unimep) e no Ginásio Municipal Waldemar Blatkauskas, além de realizar
assessoria em vários municípios – pelos cálculos dele, eram mais de 50 mil km
rodados por ano pelo Brasil. Foi assim que surgiu a ideia de construir o Centro
de Treinamento da Fran TT, inaugurado em janeiro de 1997. “Não para lucrar, mas
para desenvolver o esporte. Quando conseguimos levantar o CT, houve uma
‘guerra’ para tirar nossa força na seleção brasileira. O meu maior sonho era
levar o Brasil para a primeira divisão do Mundial. Em 2004, ganhamos a segunda
divisão e subimos”, falou Fran, que na época já era coordenador geral do
selecionado nacional.
Os resultados acompanharam o piracicabano dentro e fora da ‘mesa’ – logo no primeiro ano de projeto olímpico, foram 51 medalhas internacionais conquistadas pelo Brasil nas categorias de base. Além de formar e capacitar técnicos, Fran foi dirigente da União Latino-Americana e da Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF, na sigla em inglês), e desenvolveu a Liga Paulista. Entretanto, o CT gerou uma série de desgastes com a própria Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM). “Decidi romper em 2004 com a seleção brasileira. Não queria mais. Mantivemos mais um ano por causa do Marles (Martins, técnico). Foi o fim de um ciclo”, apontou.
Foto: Arquivo/ Fran TT
CONQUISTAS
O título de campeão mundial da segunda divisão
com a equipe masculina, em 2004, no Japão, garantiu o primeiro acesso do Brasil
para a elite da modalidade. “O trabalho que fizemos gerou uma herança. O
Calderano (Hugo, campeão individual nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, em
2015), por exemplo, veio para cá com 8 anos, porque não tinha esse trabalho no
Rio de Janeiro. Ele fez seis clínicas aqui. O Thiago (Monteiro, ouro em quatro
edições do Pan) também. Sem a contribuição de Piracicaba, o Brasil não estaria
na primeira divisão”, enalteceu.
O fim do ciclo olímpico, mais tarde, abriria
espaço para outra jornada no esporte: a seleção paralímpica. “Tivemos uma
receptividade grande na Selam, em 2008, com a introdução da modalidade nos
Jogos Abertos do Interior, que foram disputados em Piracicaba. Aí, mais uma
vez, a confederação nos procurou dizendo que a história seria diferente. Vi que
era muito importante para dar um salto nos treinamentos. Os resultados vieram
mais uma vez: conseguimos a primeira medalha mundial paralímpica do Brasil, na
China, com a equipe feminina. Trouxemos o bronze com a Jennyfer Parinos e a Bruna
Alexandre, em 2014. Além disso, 90% da seleção paralímpica andantes já
treinava conosco”, destacou.
A missão principal visava os Jogos do Rio de
Janeiro, em 2016. Fran coordenou o trabalho dirigido pelo técnico piracicabano
Paulo César Bueno de Camargo. O ápice veio com o bronze olímpico obtido
pela equipe feminina, formada por Danielle Rauen, Jennyfer Marques Parinos e
Bruna Alexandre. “Não recebemos dinheiro sequer para pagar a conta de luz.
São anos de trabalho duro. Desenvolvemos um projeto do zero e, se você falar de
tênis de mesa e de Brasil, somos referência, desde o início à
profissionalização. O amor pelo esporte foi o que construiu essa história”,
finalizou.
35 anos trabalhando com formador e mais de 20 mil alunos
Texto: SELAM - Publicado por Danilo Telles/ Jornalista RMPTV