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Projeto ainda segue para outras duas comissões; texto restringe termo casamento e união estável a uniões heterossexuais e trata partes de um casal homossexual como “contratantes”
Por 12 votos a 5, a Comissão
de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara
dos Deputados aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo e a
união estável entre pessoas do mesmo sexo e cria uma outra modalidade de união
civil.
Agora, o texto segue para as
comissões dos Direitos Humanos e Constituição e Justiça da Câmara.
O tema vem sendo discutido na
comissão desde o dia 29 de agosto. A obstrução da base governista, minoritária
no colegiado, e pedidos de vista, ou seja, mais tempo de análise do texto, têm
travado o avanço do tema na Câmara. Uma das vitórias da minoria foi a
realização de uma audiência pública para debater o assunto.
Na última sessão sobre o
projeto, no mês passado, o relator, deputado Pastor Eurico (PL-PE), pediu mais
tempo para apresentar uma nova versão do parecer. Isso foi feito por meio de um
voto complementar apresentado minutos antes da abertura da sessão.
Entenda o projeto
O texto votado proíbe qualquer
união de pessoas do mesmo sexo e cria a possibilidade de que elas possam
constituir “união homoafetiva por meio de contrato em que disponham sobre suas
relações patrimoniais”.
Na prática, a união
homoafetiva, de acordo com o documento, entraria em um novo dispositivo legal,
“a fim de permitir que pessoas do mesmo sexo possam, exclusivamente para fins
patrimoniais, constituir união homoafetiva por meio de contrato”.
Pelo texto, as partes de uma
união homoafetiva são consideradas “contratantes”, a união em si denominada
como “contrato” e os dispositivos “casamento” e “união estável” ficam restritos
às relações heterossexuais.
“Qualquer lei ou norma que preveja
união estável ou casamento homoafetivo representa afronta direta à literalidade
do texto constitucional”, diz Pastor Eurico.
À CNN, Pastor Eurico afirmou
que a mudança no relatório era necessária depois do avanço das discussões na
comissão e da realização de audiências públicas.
Para ele, o texto abrange as
reivindicações de todos os lados, uma vez que garante os direitos civis das
uniões homoafetivas e mantém a instituição do casamento como prevê a
Constituição, que, segundo Eurico, seria uma união entre homens e mulheres,
além de proteger os direitos dos templos religiosos.
Na avaliação da base
governista, o texto foi apresentado em cima da hora e, além disso, apresenta
termos que tratam as pessoas da comunidade LGBTQIA+ como “cidadãos de segunda
categoria”.
Além disso, usaria termos
considerados “ultrapassados e homofóbicos” na redação do projeto de lei.
O bloco também reclama que os
acordos firmados não foram cumpridos, como a criação de um grupo de trabalho
com representantes dos dois lados para debater o texto, e que seria necessário
tempo para a leitura e discussão do novo documento apresentado.
Porém, com um artifício do
regimento interno, ao apresentar as alterações do relatório como um voto
complementar, e não um texto substitutivo, a matéria foi enviada diretamente
para votação, sem a possibilidade de discussão ou apresentação de emendas.
“Isso é vilipendiar o
parlamento. Vocês querem modificar o Código Civil em 15 minutos. Infelizmente,
o que alguns estão fazendo aqui é rasgar a Constituição Federal, rasgar os
direitos humanos. Eu não consigo entender tanta maldade. O que a gente tá vendo
aqui é um retrocesso de 15 anos”, contestou a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).
Como protesto, os deputados
fizeram obstrução, na tentativa de adiar a votação, e deixaram o plenário,
voltando depois de algumas horas para registrar o posicionamento contrário ao
projeto.
Mudança no projeto e
tramitação
O projeto de lei original foi
apresentado em 2007 pelo então deputado federal Clodovil Hernandes, estilista e
apresentador de televisão que morreu em 2009.
O projeto do Clodovil
pretendia mudar o Código Civil para prever a possibilidade de que duas pessoas
do mesmo sexo possam constituir união homoafetiva por meio de contrato em que
disponham sobre suas relações patrimoniais.
O relator, porém, rejeitou
todo o projeto original de Clodovil e adotou outro, de autoria dos ex-deputados
Paes de Lira (SP) e Capitão Assumção (ES).
O texto acolhido, por sua vez,
afirma que “nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo
sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.
Na justificativa do projeto,
os dois deputados afirmaram que “aprovar o casamento homossexual é negar a
maneira pela qual todos os homens nascem neste mundo, e, também, é atentar contra
a existência da própria espécie humana”.
Na leitura do relatório,
Pastor Eurico disse que a Constituição brasileira “mitiga a possibilidade de
casamento ou união entre pessoas do mesmo sexo”.
“O casamento é entendido como
um pacto que surge da relação conjugal, e que, por isso, não cabe a
interferência do poder público, já que o casamento entre pessoas do mesmo sexo
é contrário à verdade do ser humano”, afirmou Eurico.
“O que se pressupõe aqui é que
a palavra ‘casamento’ representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem
como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre
pessoas do mesmo sexo”, destacou.
O relatório traz termos
considerados ofensivos à comunidade LGBTQIA+, como a utilização da palavra
“homossexualismo”, que foi retirada da lista internacional de doenças há 33
anos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como maneira de combate à
homofobia.
No relatório, o Pastor Eurico
usa trechos da bíblia para legitimar a proibição de casamento de pessoas do
mesmo sexo, traz estudos psiquiátricos — considerado por especialistas como
ultrapassados — que condenam a homossexualidade, tratam-na como doença e
afirmam que esta orientação sexual é “contrário à lei natural”.
“Os atos homossexuais não só
são incapazes de gerar vida, mas, também, porque não provêm de uma verdadeira
complementariedade sexual […]. Aqui não estamos falando de amor enquanto afeto,
sentimento, prazer, mas enquanto doação mútua para geração de uma nova vida. O
comportamento homossexual é, portanto, contrário ao caráter pessoal do ser
humano e, portanto, contrário à lei natural”, alega o texto.
Muitos outros trechos da
justificativa seguem desqualificando os relacionamentos homoafetivos. “Não
importa o quanto dois homossexuais compartilhem uma cama e propriedades ou
ganhos, o relacionamento deles não se parece em nada com um casamento em sua
essência, pois falta a complementaridade corporal dos sexos – e o seu reflexo
psicológico – e a consequente abertura à vida e, portanto, falta o específico
da eficácia social do casamento como origem da família”, pontua.
Decisão no STF
Em 2011, o Supremo Tribunal
Federal (STF) equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões
estáveis entre homens e mulheres.
Naquele ano, a Corte decidiu,
por unanimidade, que um artigo do Código Civil deveria ser interpretado para
garantir o reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão
também considerou essas relações como entidades familiares.
Em 2013, o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) editou uma resolução para obrigar a realização de casamentos
homoafetivos em cartórios do país.
Texto: CNN Brasil
Publicação: Enzo Oliveira/ RMPTV