Artigo assinado por Mauricio Ribeiro - jornalista, coordenador da Associação Memorial Amigos de Sião.
Parem de dizer que os judeus
são amaldiçoados porque mandaram matar Jesus! Eu queria começar esse texto de
outra forma, e com uma linha de argumentos lógicos chegar nessa afirmação
imperativa lá pro parágrafo final, mas a urgência do tema me força a fazê-lo já
no trecho de abertura. O antissemitismo, que é caracterizado como o ódio
gratuito contra judeus, cresceu 961% no Brasil desde o início dos conflitos de
outubro entre Israel e o Hamas (dados inéditos publicados pela CONIB e FIESP no
Dia Internacional do Combate ao Fascismo e ao Antissemitismo). De repente,
todas as pessoas que possuem celular e uma rede social se colocaram no lugar de
especialistas em conflitos do Oriente Médio. Eu mesmo, que estive em Israel, vi
os dois lados de perto e estudo a questão há décadas, não sou um expert no
tema. Mas este texto nem é sobre isso. Este texto é sobre uma mentira que vem
sendo repetida há séculos e que tem estigmatizado e condenado os judeus a um
veredicto sem condições de defesa: “eles rejeitaram Jesus, logo, merecem
sofrer”.
Foi o que eu ouvi de duas
mocinhas no ônibus, enquanto conversavam sobre o estudo que fizeram na
“célula”, grupo de estudos semanais muito comum entre algumas denominações
evangélicas. O pastor falou. Elas acreditaram. Pastores, padres, rabinos e
líderes religiosos em geral devem se preocupar e se policiar urgentemente sobre
o que ensinam, porque isso molda o pensamento, a fala e as ações de seus
seguidores. Pastores e padres em especial, porque o Cristo a quem professam
(judeu, não se esqueçam disso) trouxe uma palavra de paz, respeito, amor e
tolerância que não tem nada a ver com esse argumento medieval de que os judeus
estão eternamente condenados a sofrer porque “negaram a Jesus”. Pedro, judeu e
apóstolo primaz, negou o Cristo e foi perdoado pelo consenso religioso. Uma
turba ensandecida, diante do tribunal de Pilatos, pediu a soltura de Barrabás e
a crucificação de Cristo. Por conta desse episódio narrado nos quatro
evangelhos, os judeus têm sido perseguidos e discriminados. Foi assim na Idade
Média, e nas Cruzadas, e nos pogroms que varreram a Europa e agora emergem em
cada lugar onde há um indivíduo que carrega a Estrela de Davi no peito. Não há
a menor graça em pintar o símbolo sagrado do judaísmo na fachada de lojas e
casas de judeus. Foi assim que começou o Holocausto na segunda grande guerra; e
pelo jeito a humanidade não fez a sua lição de casa. O povo não aprendeu nada.
Certos líderes também não.
É insano. Um articulista vai para os jornais destilar as suas convicções religiosas carregadas de ódio e preconceito para alimentar ainda mais essa onda de ataques e conflitos que saiu da fronteira de Gaza e que agora ameaça onde haja uma sinagoga ou escola ou hospital judaico. Chega às beiras do incivilizado. Por mais importante e urgente que seja a questão geopolítica, religiosa, territorial e ideológica em torno do grande cisma do oriente, milenar, entre judeus e palestinos; por mais que se queira levantar bandeiras de um lado ou do outro; por mais que sejam condenáveis as estratégias de ataque e resposta; nada, absolutamente nada serve de argumento para justificar a sustentação de uma mentira histórica. Mesmo que repetida muitas vezes, essa mentira jamais se tornará uma verdade: os judeus não são amaldiçoados por supostamente terem mandando matar Jesus; e as pessoas precisam parar de acreditar e repetir isso. O sangue derramado sobre uma verdade já é inadmissível. O sangue derramado sobre uma mentira é simplesmente inaceitável!