Foto: Rubens Cardia

Em audiência nesta quarta (22) escritório de arquitetura fala em manutenção de referências históricas; representantes da sociedade civil veem descaracterização da área.

Representantes da sociedade civil lotaram a galeria do plenário da Câmara Municipal de Piracicaba, na tarde desta quarta-feira (22), para participarem de audiência pública voltada à apresentação e discussão de projeto de empreendimento residencial e comercial no terreno privado de aproximadamente 32 mil metros quadrados da antiga fábrica de tecidos da Boyes, com entrada pela rua Antonio Correa Barbosa, próxima à Ponte Pênsil que atravessa o rio Piracicaba, recentemente apreciado pelo Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural).

Solicitada pelas vereadoras Silvia Morales (PV), do mandato coletivo A Cidade é Sua, e Rai de Almeida (PT) por meio do requerimento 972/2023, a audiência contou com a participação de representantes do Executivo, do escritório de arquitetura KTV - responsável pela elaboração do projeto denominado Boulevard Boyes - , de vereadores e representantes do movimento “Salve a Boyes”.

Silvia Morales, vereadora que presidiu a audiência, trouxe em seu discurso de abertura que o encontro possibilita a apreciação pública do empreendimento, localizado em uma região histórica tombada:

“Trata-se de um patrimônio tombado pelo decreto municipal 10.643/2004, numa área maior, em toda a extensão desde a ponte do Mirante até a ponte do Morato, juntamente com demais patrimônios históricos inseridos na área, como o palacete da Boyes, o Museu da Água, o Engenho Central, a Casa do Povoador, o Largo dos Pescadores, a Irmandade do Divino e outros”, destacou a parlamentar, que na sequência disse: “o tombamento não é mero selo definido pelo poder público. O tombamento confere proteção e, portanto, pressupõe atuação do poder público para que se efetive. A efetividade dessa proteção passa por medidas de restrição ao usufruto privado em prol do interesse público e o direito difuso coletivo”.

Ela ainda destacou que um requerimento (964/2023), também de sua autoria, que busca mais detalhes sobre a tramitação do projeto junto à Prefeitura, já foi respondido, e está disponível para consulta.

Rai de Almeida, que também compôs a mesa diretiva dos trabalhos, em seu discurso de abertura ponderou: “estamos vivendo momentos de muitos “salves”: Salve o campus Taquaral, Salve a Escola de Música, Salve a Pinacoteca, Salve a biblioteca. E qual será o próximo ‘salve’? Nós estamos no Salve a Boyes, mas será que daqui a pouco teremos o ‘Salve o Clube de Regatas’? O que estamos fazendo com os espíritos, sentimentos e símbolos da nossa cidade, do povo de Piracicaba?”

Boulevard Boyes - De acordo com o arquiteto Julio Takano, CEO (diretor-executivo, na tradução livre em português) do escritório KTV, o empreendimento denominado Boulevard Boyes é baseado em diversos cases de sucesso, nacionais e internacionais, e prevê torres residenciais, espaços voltados à gastronomia, comércio e convivência: “é um processo de restauração e urbanização que a gente pretende integrar e conectar com a Ponte Pênsil e o Engenho. Ou seja, todos os elementos que são referências históricas, que tem materiais, tijolos, alvenarias que fazem parte de um contexto histórico de extensão, eles serão conectados”.

De acordo com ele, o projeto prevê a manutenção dos galpões considerados históricos, aqueles que possuem telhas de cerâmica, e os demais, que foram construídos posteriormente, para guarda de equipamentos e que possuem telhas de fibra-cimento, considerados “sem valor histórico” (seis dos treze galpões existentes), devem ser removidos.

Ainda de acordo com Takano, os galpões a serem removidos são os mesmos já previstos em proposta anteriormente aprovada pelo Codepac, que buscava a construção de um shopping e um hotel: “eu assemelho esse trabalho ao trabalho de um garimpeiro, que para achar um diamante tem que remover a terra no entorno de um patrimônio para transformar essa jóia e ser lapidada. Esse foi, de coração, o trabalho feito”, defendeu.

O arquiteto ainda acrescentou: “o [piso] térreo, 60% de um imóvel de 32 mil metros, é de acesso público. Eu conheço poucos empreendedores no Brasil que comprariam um terreno e deixariam nós fazermos 60% desse térreo como museu e restaurantes de acesso público, onde a comunidade pudesse ter acesso”.

Área de Preservação Permanente - “Estamos diante de um processo que desmonta e descaracteriza toda a região da Rua do Porto, talvez a região mais nobre e visitada de Piracicaba”, analisou o professor universitário e representante da Sodemap (Sociedade Para Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba), Paulo Figueiredo, que na sequência discursou na tribuna.

De acordo com ele, o empreendimento está localizado em uma APP (Área de Preservação Permanente), definição trazida pelo Código Florestal Brasileiro, "e que como o próprio nome sugere, é para ser preservada".

“Certamente, a implantação de um empreendimento com essas características, com um adensamento populacional, geração exponencial de resíduos e esgoto, com toda uma transformação do ambiente, que exigirá escavações, explosões e uma manipulação pesada da região, nada disso tem a ver com preservação e com cuidados ambientais. Essa não é uma região onde caberia algo dessa natureza”, acrescentou Figueiredo

Ele, na sequência, disse: “qualquer tipo de tentativa de colocar um projeto dessa magnitude em uma região como essa, só será possível através de artifícios criminosos, que ferem a lei”, e informou que a Sodemap buscará o apoio de órgãos federais, como o Ministério Público Federal para barrar o projeto.

“Vários processos que vencemos aqui em Piracicaba, de projetos que tinham até um risco menor que esse, foram vencidos com a atuação da promotoria federal. Esse é um dado importantíssimo  que está sendo levantado e, de certa forma, alavancado”, falou o professor.

Também representante da Sodemap, Dirceu Rother Júnior fez uma retrospectiva de projetos arquitetônicos levados a cabo pela prefeitura em décadas anteriores, e disse que o salto do rio Piracicaba “é uma formação geológica ascendente que poucas cidades do mundo tem” e na sequência posicionou-se de forma contrária à verticalização da área:

“Esse local é de paisagem natural, mais do que construída. Tem que manter o gabarito baixo. Legislação se muda conforme o vento, conforme a necessidade, conforme o mercado imobiliário. Às vezes assertiva e às vezes maldosa, em função da especulação imobiliária. O projeto de vocês é muito bom, parabéns, mas não nesse lugar! Façam empreendimento imobiliário, tenham seus lucros e seu discurso de emprego, mas não nesse lugar. Não podemos admitir esse avanço vertical. Se esse projeto passar, virão outros”, analisou.

Plano diretor e debates públicos - Para o vereador Fabrício Polezi (Patriota), a proposta de empreendimento está amplamente amparada pela Lei Complementar municipal 405/2019, que aprova o Plano Diretor de Desenvolvimento de Piracicaba atualmente em vigor, que permite a verticalização das construções. “Ele [Plano Diretor] caracterizou a área do palacete da Boyes como ZUBR 2 (Zona Urbana de Proteção Beira Rio), que teve seu potencial construtivo aumentado para 2,5, e também o tornou um local da orla que permite a alta verticalização, limitando-a somente ao plano aeroviário”, disse o parlamentar.

Na avaliação de Gustavo Pompeo (Avante), o empreendimento “não é um tema da Câmara”, pois “a Câmara não vai votar, a Câmara não aprova"., Ainda de acordo com ele, caberá ao Legislativo apenas discutir projeto: "A audiência pública não é uma coisa conclusiva de construir, de permissão ou não, é bom deixar isso claro. Isso será resolvido nos órgãos competentes, com as pessoas técnicas, por onde todo processo imobiliário ou fabril passa, que é rotina da cidade. Não é da Câmara. É um erro confundir o público com o privado, politizar situações privadas, principalmente em um ano próximo de eleição”, acrescentou.

Diversos representantes da sociedade civil, na sequência, também se manifestaram no microfone, e puderam endereçar questionamentos a representantes do Executivo e do empreendimento. Além de titulares e representantes de secretarias municipais, os vereadores Thiago Ribeiro (Podemos), Gilmar Rotta (PP) e Cássio Luiz Barbosa (PL) também participaram da audiência.

 

Avaliação do Executivo - Guilherme Mônaco de Mello, Procurador-Geral do município, frisou por diversas vezes ao longo da audiência que o projeto, até o momento, não conta como nenhuma avaliação ou parecer por parte do Executivo, e disse: “é importante pontuar que uma das razões pelas quais estamos aqui é devido à possibilidade que o Plano Diretor [de Desenvolvimento] nos forneceu no ano de 2020, fazendo a alteração da destinação daquela zona urbana. Até o ano de 2020, não era permitida a edificação para uso residencial. Foi apresentada uma proposta no ano de 2019 e foi aprovada, permitindo então que aquela área fosse destinada também para a construção residencial”.

Ele ainda afirmou que o Executivo agirá estritamente de acordo com a lei, e destacou que o Codepac é um Conselho paritariamente composto tanto por representantes do Poder Público e quanto da sociedade civil, com atuação autônoma e independente.

De forma semelhante, Andrea Ribeiro Gomes, secretária municipal de Habitação e Gestão Territorial disse: “como o Procurador bem falou, esse projeto ainda não passou pela secretaria para análise a aprovação. Ele passou apenas pelo Conselho e está [atualmente] na Semuttran (Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, Trânsito e Transportes) neste momento. Conheci agora esse projeto, e vamos seguindo o que a lei manda”.

Ao término da audiência, Silvia Morales informou que todas as discussões serão encaminhadas ao Executivo.

Texto: Câmara Municipal de Piracicaba

Publicação: Enzo Oliveira/ RMPTV

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