Foto: Divulgação
Os R$ 2,7 bilhões recebidos
pelo Ministério Público Federal de Curitiba das multas aplicadas à Petrobras
nos Estados Unidos foram uma recompensa dada à “lava jato” por ter ajudado
autoridades americanas a conseguir R$ 20,1 bilhões da estatal brasileira, e não
“recuperação de dinheiro público”, como venderam os procuradores do Paraná.
Essa é a conclusão da tese de
doutorado “A Hegemonia Estadunidense e o Combate à Corrupção no Brasil: O caso
da Operação Lava Jato”, de autoria de Arthur Pinheiro de Azevedo Banzatto,
professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Grande
Dourados, em Mato Grosso do Sul.
A primeira sanção contra a
Petrobras ocorreu em janeiro de 2018, quando a empresa fechou um acordo de US$
2,95 bilhões (R$ 9,6 bilhões, na cotação da época) para encerrar uma disputa
judicial com acionistas privados americanos que ingressaram com uma ação
coletiva nos Estados Unidos. Eles alegaram prejuízos por causa de esquemas de
corrupção ocorridos no Brasil. Todo o valor foi destinado aos acionistas.
O segundo acordo, de US$ 853,2
milhões (R$ 3,4 bilhões), foi fechado em setembro de 2018 com o Departamento de
Justiça por suposta violação ao Foreign Corrupt Practices Act (FCPA, na sigla
em inglês), norma que permite que autoridades dos EUA investiguem e punam fatos
ocorridos em outros países.
O único valor da Petrobras que
voltou ao Brasil foi parte dessa multa: 80% do valor, ou US$ 682 mil (R$ 2,7
bilhões), foram destinados ao MPF brasileiro. Os 20% restantes foram divididos
entre o Tesouro dos Estados Unidos e a Comissão de Valores Mobiliários
americana (SEC, na sigla em inglês).
Também em setembro de 2018, a
Petrobras foi multada em US$ 1,78 bilhão (R$ 7,1 bilhões) em um processo
administrativo da SEC. Todo o valor foi destinado à própria Comissão de Valores
Mobiliários.
Os dados estão na tese de
doutorado de Banzatto, publicada em outubro de 2023 e produzida com o apoio do
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de
Santa Catarina. Todos os valores referentes às multas têm como base a cotação
do dólar na época em que as sanções foram aplicadas.
Recompensa
Em entrevista à revista
eletrônica Consultor Jurídico, o pesquisador afirma que, embora a “lava jato”
tenha tratado os R$ 2,7 bilhões como um valor recuperado, trata-se, na verdade,
de uma espécie de recompensa pela ajuda dada pelos procuradores às autoridades
americanas.
A atuação do MPF parece
contraintuitiva: se por um lado os Estados Unidos viram uma oportunidade de
punir a Petrobras e garantir seus interesses ao atuar em favor de empresas
americanas, por outro os procuradores de Curitiba prejudicaram a estatal fora do
Brasil deliberadamente para tentar colher uma parcela do dinheiro e criar a
famigerada “fundação” da “lava jato”.
A entidade privada, que seria
gerida pelos procuradores, só não foi adiante por ter sido barrada pelo Supremo
Tribunal Federal. Foi só a partir da decisão do STF que os R$ 2,7 bilhões
foram, de fato, para a União.
“O MPF adotou um discurso em
que afirmou que esse é um dinheiro ‘recuperado’. Quando, na verdade, não é. É
uma multa que foi aplicada com a ajuda do MPF e ele recebeu um valor por ter
ajudado. E esse era o dinheiro que iria para a fundação ‘lava jato’”, afirma
Banzatto.
Segundo ele explica, a
parceria da “lava jato” com as autoridades dos EUA se deu toda de forma
irregular, fora dos canais oficiais. Colaborações regulares devem ser feitas
por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
A atuação ilegal do MPF se deu
com o compartilhamento de provas com autoridades dos EUA. Investigadores do FBI
chegaram a ser recebidos no Brasil a partir de 2015, sem autorização do
Ministério da Justiça. No ano seguinte, os americanos conduziram interrogatórios
de ex-diretores da Petrobras e fizeram acordos, também sem qualquer
autorização.
“O MP intermediou esse acordo
da Petrobras com o DoJ (Departamento de Justiça dos EUA), compartilhou provas e
conteúdos de delação, fora dos canais oficiais. O MP foi fundamental, tanto que
foi beneficiado.”
De acordo com o pesquisador,
existe, de fato, uma cifra que pode ser classificada como “recuperada”: a dos
acordos fechados no Brasil entre o MPF e colaboradores, em que parte de valores
que teriam sido obtidos por meio de corrupção foi devolvida por investigados.
Já nos EUA, diz Banzatto, o
que houve foi uma recompensa, uma vez que o MPF topou ajudar uma estatal
brasileira a ser punida fora do Brasil em troca da parcela de uma das multas.
“O Ministério Público, que em
tese deveria atuar pelo interesse nacional, atuou contra o patrimônio
brasileiro. É o contrário do que ocorre no restante do mundo, em que os Estados
usam seus sistemas jurídicos para alavancar suas empresas, para gerar dinheiro
e emprego para seu próprio Estado.”
Rastro de destruição
A pesquisa de Banzatto
apresenta dados, com base em levantamentos do Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), sobre os efeitos da “lava
jato” na Petrobras e em outras empresas brasileiras, como a Odebrecht.
A construtora e a Braskem
foram multadas no final de 2017 em US$ 3,6 bilhões (R$ 11,6 bilhões), também
com a ajuda da “lava jato”. O acordo feito à época previu a devolução de 80% do
valor ao MPF. Os 20% restantes foram divididos igualmente entre autoridades dos
EUA e da Suíça. Trata-se da maior multa aplicada por meio do FCPA até hoje.
No caso da Petrobras, o volume
de investimento em exploração e produção era de US$ 48,1 bilhões em 2015. No
ano seguinte, no auge da “lava jato”, caiu para US$ 15,8 bilhões.
A partir dali, o crescimento
do investimento em exploração, produção, refino, biocombustíveis e ciência e
tecnologia deu lugar ao modelo exclusivo de exploração e produção que existia
antes do pré-sal, em 2006.
“A Petrobras passou por uma
mudança radical em sua política. Ela abriu mão de ser uma empresa estratégica,
de investir em conhecimento local, ciência e tecnologia e refino, e voltou ao
modelo dos anos 90, quando só havia exploração”, explica o pesquisador.
O mesmo fenômeno ocorreu com a
Odebrecht, segundo o levantamento de Banzatto. Em 2014, a empresa tinha uma
receita bruta de US$ 107 bilhões; em 2019, ela caiu para US$ 78 bilhões.
O número de empregados da
companhia diminuiu, nos mesmos anos, de 168 mil para 35 mil. E a presença
internacional também despencou: em 2014, a Odebrecht atuava em 27 países; cinco
anos depois, em 14.
Texto: Tiago Angelo | Correspondente
da revista Consultor Jurídico em Brasília
Publicação: Enzo Oliveira |
MTV