Por: Ronaldo Castilho

 

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2024, “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, trouxe à tona uma questão profundamente relevante e complexa. Ao mesmo tempo, os resultados da prova refletem o alto grau de exigência e a necessidade de preparação consistente para alcançar notas de destaque. Apenas 12 alunos atingiram a nota máxima de 1.000, enquanto 10% obtiveram pontuações acima de 900. Esses dados não apenas destacam o rigor da avaliação, mas também levantam reflexões sobre a desigualdade educacional e os desafios no reconhecimento da cultura afro-brasileira no cenário nacional.

A escolha do tema evidencia a importância de discutir o papel da herança africana na formação da identidade brasileira. Desde o período colonial, as contribuições de povos africanos para a construção do Brasil são inquestionáveis, abrangendo áreas como música, dança, religião, culinária e arte. Contudo, esse legado ainda é frequentemente marginalizado ou distorcido, o que perpetua preconceitos e limitações no reconhecimento cultural. Narrativas eurocêntricas dominam os currículos escolares, relegando a herança africana a espaços secundários ou simplistas. Essa invisibilidade histórica não apenas compromete a educação, mas também reforça estigmas que se refletem no cotidiano da sociedade.

Os desafios apontados no tema da redação estão intimamente ligados ao racismo estrutural e às desigualdades sociais. O preconceito contra práticas culturais de origem africana demonstra a resistência de setores conservadores em aceitar plenamente essa riqueza cultural. Ao mesmo tempo, a ausência de representatividade negra em posições de destaque na política, na mídia e na academia reforça a ideia de que a cultura de matriz africana é menos relevante, perpetuando ciclos de exclusão.

Os resultados da redação do ENEM 2024 são reveladores. A baixa quantidade de alunos com nota máxima e a concentração de 10% acima de 900 evidenciam tanto o nível de dificuldade do exame quanto os desafios educacionais enfrentados no país. A interpretação crítica, a escrita coesa e a articulação de ideias são habilidades indispensáveis para alcançar alto desempenho, mas muitos estudantes não têm acesso às condições necessárias para desenvolvê-las plenamente. Desigualdades educacionais, lacunas no ensino básico e a falta de recursos pedagógicos adequados ainda limitam o potencial de muitos jovens, especialmente aqueles vindos de contextos socioeconômicos vulneráveis.

A relação entre o tema da redação e os resultados obtidos também levanta um ponto importante: a valorização da herança africana começa pela educação. É fundamental que o currículo escolar inclua, de maneira consistente e crítica, a história e a cultura afro-brasileira, não como um apêndice, mas como parte integral da formação cidadã. Além disso, políticas públicas que promovam a equidade no acesso à educação de qualidade são essenciais para que mais estudantes possam competir em condições justas e atingir altos níveis de desempenho.

A valorização da herança africana no Brasil é uma questão de justiça histórica e de construção de uma sociedade mais plural e igualitária. Assim como a melhoria da educação é indispensável para que mais jovens alcancem excelência acadêmica, é preciso também combater o racismo estrutural que ainda marginaliza as contribuições culturais e históricas dos povos africanos no Brasil. O ENEM 2024, ao trazer esse tema à discussão, provoca reflexões que vão além da sala de aula, desafiando toda a sociedade a reconhecer, respeitar e celebrar a diversidade que molda a identidade nacional.

A média nacional da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024 foi de 660 pontos, representando um aumento de 15 pontos em relação à média de 645 pontos registrada em 2023. Além disso, 12 participantes alcançaram a nota máxima de 1.000 pontos na redação. Os estados com candidatos que atingiram a nota máxima foram: Alagoas; Ceará; Distrito Federal; Goiás; Maranhão; Minas Gerais; Pernambuco; Rio de Janeiro; Rio Grande do Norte e São Paulo. Desse, apenas um estudante da rede pública, de Minas Gerais, obteve a nota máxima.

• Ronaldo Castilho é jornalista e bacharel em Teologia e Ciência Política, com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidades Inteligentes

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