
Por:
Ronaldo Castilho
A
declaração de Donald Trump de que "o Brasil e a América Latina precisam
dos Estados Unidos, e não o contrário" reflete um claro exemplo de
prepotência e arrogância, características frequentemente associadas ao estilo
do presidente americano. Tal afirmação não apenas revela uma visão distorcida
da realidade, como também demonstra uma falta de compreensão sobre a dinâmica
das relações internacionais e a soberania dos países latino-americanos. Quando,
durante a assinatura dos Decretos Presidenciais na Casa Branca, Trump foi
enfático ao dizer: “Eles precisam de nós, mais do que precisamos deles. Nós não
precisamos deles, eles precisam da gente. Todo mundo precisa da gente”, sua
postura foi não só arrogante, mas simplista e desinformada.
Primeiramente,
é importante observar que o Brasil e os países da América Latina têm uma
história própria, marcada por desafios e conquistas independentes. Eles não
são, nem nunca foram, dependentes de uma potência estrangeira para sua
sobrevivência ou desenvolvimento. Em vez disso, a região tem se fortalecido por
meio de parcerias multilaterais, investimentos próprios e iniciativas
regionais. A ideia de que a América Latina só pode prosperar com a intervenção
direta ou indireta dos Estados Unidos é um conceito antiquado e imperialista,
que ignora os avanços de vários países latino-americanos em termos de
crescimento econômico, educação e inovação.
O
Brasil, como maior economia da região e uma potência emergente, tem
diversificado suas relações internacionais ao longo das últimas décadas. Em vez
de depender exclusivamente de Washington, o país tem buscado parcerias com
outras potências globais, como a China, a União Europeia e, mais recentemente,
outras economias emergentes. A independência política e econômica é essencial
para que o Brasil e outros países latino-americanos possam traçar seus próprios
destinos, sem a imposição de interesses externos. A América Latina não é uma
região submissa a uma única nação, como sugere Trump, mas uma parte fundamental
do tabuleiro mundial, com enormes riquezas naturais, mercados em crescimento e
uma população jovem e vibrante.
Além
disso, é necessário reconhecer o papel crescente da América Latina no contexto
global. Ignorar essa realidade e tratar a região como uma extensão subalterna
do poder dos Estados Unidos é não só um erro estratégico, mas também uma ofensa
à identidade e ao potencial dos países latino-americanos. As nações da região
têm mostrado que, longe de necessitar de um "irmão mais velho", elas
buscam estabelecer sua soberania e sua autonomia nas relações internacionais.
Trump falha ao não compreender que as relações internacionais são complexas e
interdependentes, baseadas no respeito pela autonomia e autodeterminação dos
países, e não em uma dinâmica de dependência unilateral.
Organizações
como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) surgiram com o objetivo de fortalecer a
integração regional, sem a necessidade de uma potência externa para
supervisionar suas ações. O Brasil, por exemplo, tem se engajado ativamente na
promoção de um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo, reconhecendo
a importância de parcerias globais, mas sem abrir mão de sua independência.
As
palavras de Trump, longe de refletirem uma visão estratégica e realista,
demonstram um entendimento ultrapassado das relações internacionais. A América
Latina não é submisso a nenhum país, muito menos aos Estados Unidos, que
enfrentam seus próprios desafios internos e questões globais. O futuro da
região dependerá, sim, de boas relações com diversos parceiros internacionais,
mas, principalmente, do fortalecimento da sua própria autonomia e da construção
de uma agenda que coloque as necessidades e o bem-estar de sua população em
primeiro lugar.
Pensadores
políticos ao longo da história refletiram profundamente sobre as
características da prepotência e da arrogância, especialmente quando essas
atitudes se manifestam em líderes e governantes. A prepotência, que se refere a
um comportamento de superioridade ou de imposição de poder, e a arrogância, uma
atitude de desdém pelas opiniões ou direitos dos outros, foram temas abordados
por diversas correntes filosóficas e políticas. Essas qualidades, muitas vezes
vistas em figuras autoritárias, são frequentemente criticadas por filósofos e
pensadores que defendem a democracia, a liberdade e a igualdade.
Platão,
por exemplo, em sua obra A República, discute a ideia do governante ideal, que
deve ser sábio e justo, afastando qualquer traço de arrogância ou prepotência.
Platão acreditava que os líderes deveriam ser aqueles que compreendem as
virtudes e não aqueles que buscam poder por egoísmo ou vaidade. A arrogância de
um governante, segundo ele, poderia levar à tirania, a forma mais corrompida de
governo, onde o poder é usado para benefício próprio, sem considerar o bem
comum.
Aristóteles,
em Política, também aborda as virtudes que um líder deve ter e faz uma crítica
ao abuso de poder, algo que ele vê como reflexo de viciosidade. Para
Aristóteles, os governantes devem ser moderados e agir com equidade, evitando o
tipo de governança marcada pela prepotência e pela imposição de sua vontade sem
considerar os direitos e a liberdade dos outros. A arrogância, nesse sentido, é
vista como uma falha moral, que coloca o governante acima da lei e da justiça,
resultando em despotismo.
Maquiavel,
em O Príncipe, é frequentemente interpretado como alguém que legitima o uso da
força e da manipulação por governantes. No entanto, ao falar sobre o
"Príncipe" ideal, ele destaca a importância da eficácia política e da
manutenção do poder. Embora não seja uma defesa direta da prepotência,
Maquiavel sugere que líderes podem precisar, em alguns momentos, ser firmes e,
até mesmo, implacáveis, mas sempre com a consciência de que o fim justifica os
meios. A arrogância, no entanto, poderia levar à perda de respeito e apoio
popular, algo que o príncipe deve evitar para manter sua autoridade e
estabilidade.
Jean-Jacques
Rousseau, em O Contrato Social, foi um grande defensor da igualdade e da
soberania popular. Rousseau critica profundamente a ideia de um governante
arrogante que impõe suas vontades sem considerar o consentimento dos
governados. Ele afirma que a autoridade legítima só pode ser derivada da
vontade geral do povo e que qualquer manifestação de arrogância ou prepotência
por parte dos governantes representa uma violação do contrato social e uma
ameaça à liberdade e à igualdade dos cidadãos.
Em uma
perspectiva mais contemporânea, o filósofo político John Locke, em Dois
Tratados sobre o Governo, também se opôs à tirania e à concentração de poder.
Locke defendia que os líderes devem ser limitados por leis e normas, com a
prepotência sendo um comportamento claramente prejudicial à liberdade
individual e aos direitos naturais dos cidadãos. Para ele, qualquer tentativa
de um governante de agir de forma arrogante e autoritária seria uma violação
dos direitos humanos fundamentais.
No
século XX, pensadores como Hannah Arendt, em A Condição Humana, refletiram
sobre a ascensão de regimes totalitários e a prepotência de líderes como Adolf
Hitler e Joseph Stalin. Arendt discutiu como a arrogância e a prepotência dos
líderes autoritários podem criar um ambiente político onde a verdade é
manipulada e a liberdade individual é erradicada. Ela argumentou que essas
qualidades no líder, quando não são desafiadas, podem levar a tragédias
políticas e humanas, pois os governantes arrogantes frequentemente não têm um
compromisso genuíno com o bem-estar dos seus povos, mas com a manutenção do
poder a qualquer custo.
• Ronaldo Castilho é jornalista e bacharel
em Teologia e Ciência Política, com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidades
Inteligentes