
Foto: Gustavo Moreno / STF
Os ministros da Primeira Turma aceitaram na íntegra denúncia da Procuradoria-Geral da República contra 8 pessoas do chamado “núcleo 1”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus, nesta quarta-feira (26/3), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados. Relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes aceitou na íntegra a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, formando maioria na Turma.
Os investigados foram denunciados por participar de uma suposta trama golpista para manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022. A denúncia começou a ser analisada na terça-feira (25/3), e a sessão foi retomada nesta quarta com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
Como o Supremo aceitou a denúncia, uma fase de instrução processual se iniciará. Nela, serão colhidos depoimentos de testemunhas e dos acusados, além da apresentação de provas.
Encerrada essa etapa, o Supremo Tribunal Federal realizará um novo julgamento
para decidir se os envolvidos são culpados ou inocentes.
O que diz Moraes
Na abertura do voto, Moraes ressaltou que, “na hipótese em análise, a Procuradoria-Geral da República, nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal descreveu satisfatoriamente os fatos típicos e ilícitos com todas suas circunstâncias, dando aos acusados o amplo conhecimento dos motivos”.
Para Moraes, Bolsonaro e aliados foram protagonistas de “tentativa de golpe de
Estado violentíssima”.
Ainda segundo o ministro
relator, “a consumação do crime do artigo 359 M – tentar depor, por meio de
violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído – ocorreu por
meio de sequência de atos que visavam romper a normalidade do processo sucessório”.
“Esse propósito ficou evidente
nos ataques recorrentes ao processo eleitoral, na manipulação indevida das
forças de segurança para interferir na escolha popular, bem como na convocação
do alto comando do Exército para obter apoio militar a decreto que formalizaria
o golpe. A organização criminosa seguiu todos os passos necessários para depor
o governo legitimamente eleito”, seguiu o ministro.
Para Moraes, “a organização
criminosa seguiu todos os passos para depor o governo legitimamente eleito” e
“os crimes praticados no dia 8 de janeiro, em relação à sua materialidade,
foram gravíssimos”.
Voto audiovisual
Ao votar, o ministro exibiu
vídeos de uma série de fatos ocorridos desde a diplomação do presidente Lula, o
que inclui o ataque à sede da Polícia Federal, com carros incendiados nas
imediações, bem como o explosivo encontrado nos arredores do Aeroporto na
véspera de Natal. A intenção foi mostrar que tudo veio em uma sequência.
“8 de janeiro de 2023 foi uma
notícia péssima para a democracia, para as instituições, para todos os
brasileiros e brasileiras que acreditam num país melhor. Mas esse viés de
positividade faz com que nós, aos poucos, relativizemos isso. E esqueçamos que não
houve um domingo no parque. Não foi um passeio no parque. Ninguém,
absolutamente ninguém que lá estava, estava passeando. E ninguém estava
passeando porque tudo estava bloqueado e houve necessidade de romper as
barreiras policiais.”
Vota para tornar Bolsonaro réu
De acordo com Alexandre de
Moraes, “há indícios razoáveis de recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral
da República, que aponta Jair Messias Bolsonaro como líder da organização
criminosa, demonstrando a participação do ex-presidente da República com os
elementos de prova colhidos na investigação da Polícia Federal.”.
Moraes ainda ressalta que a
denúncia detalha a participação de Bolsonaro no plano e os atos executivos. “Em
2021, Jair Messias Bolsonaro começou a organizar uma estratégia para difundir
notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro”, disse o ministro.
“Em live do dia 29 de julho de
2021, Anderson Torres, então ministro da Justiça, atacou as urnas sem nenhum
fundamento e sem apresentar nenhum elemento concreto”, afirma Moraes. “E a
partir daí, a partir da live, viralizou-se, com o uso das milícias digitais e
do famoso gabinete do ódio, que também vem sendo investigado pela
Procuradoria-Geral da República. E ‘gabinete do ódio’ – não foi o Supremo
Tribunal Federal, a Polícia Federal ou a Procuradoria-Geral da República que
deu esse nome.”
Seguiu o ministro: “Gabinete
do Ódio foi uma entrevista dada pelo então ministro da Secretaria de Governo do
então presidente Jair Bolsonaro, General Ramos, que disse que no Palácio havia
um gabinete do ódio que preparava notícias e falsas, fraudulentas, inclusive em
relação a ele mesmo.”
Por fim, Moraes votou pelo
aceite da íntegra da denúncia da PGR e para que os 8 denunciados se tornem
réus. Os demais ministros da Primeira Turma precisam votar para confirmar o
resultado.
Votos de Dino, Fux, Cármen
Lúcia e Zanin
Em seu voto, o ministro Flávio
Dino ressaltou que há um debate sobre a presença de violência e grave ameaça no
caso. No entanto, considera que essa tese fica afastada pelo vídeo apresentado
por Moraes. “É importante lembrar que estamos tratando de fatos que vêm desde
2021 e culminam no 8 de Janeiro. Nesse período, houve, sim, apreensão de armas
em vários momentos, inclusive no próprio 8/1”, afirmou.
Luiz Fux acompanhou
integralmente o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes. “Tenho duas
observações: uma é sobre a legislação. Se fosse em termos preteritos, jamais se
caracterizaria a tentativa como crime consumado. Não tenho a menor dúvida disso.
Tenho até a impressão de que haveria arguições de constitucionalidade em razão
da violação da Constituição brasileira, do princípio da reserva legal, da
indivuialização das condutas, que jamais se admitiria a tentativa um crime
consumado. Mas, dure lex sed lex, a lei prevê. Tá cumprido o principio da
legalidade”, destacou.
Cármen Lúcia também seguiu o
relator, alcançando 4 x 0 a favor da denúncia contra Bolsonaro e aliados. “Os
tipos de materialidade estão presentes. O que tem como indício comprova que há
conhecimento e participação. Se era criminosa ou para ser partícipe do golpe, é
outra história. Temos deinstruir, ver as provas”, ressaltou.
Zanin, o último ministro a
votar, acompanhou os colegas: “Não adianta a pessoa dizer que não estava no dia
8 de Janeiro se ela corroborou para o que culminou no dia 8 de Janeiro. Existe
uma série de documentos. Há materialidade e indício de autoria para ensejar o
recebimento integral da denúncia”.
Os cinco ministros que votaram
até o momento concordam com os termos da PGR.
A denúncia
- Entre os crimes imputados ao ex-presidente
e aos outros denunciados, estão liderança de organização criminosa,
tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de
Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio
tombado.
- A denúncia da PGR foi reforçada na terça
(25//3) após a apresentação das defesas de todos os denunciados. “A
manifestação é pelo recebimento da denúncia”, disse Paulo Gonet,
procurador-geral da República.
- Gonet rebateu, de forma conjunta, os
argumentos apresentados pelos oito investigados que fazem parte do chamado
núcleo central da suposta organização criminosa. A PGR fatiou a denúncia
do STF sobre os acusados pela trama golpista em cinco núcleos. No total,
34 pessoas foram denunciadas.
- Nesta fase, a Primeira Turma analisa a
denúncia contra 8 deles, incluindo Bolsonaro, Braga Netto e Augusto
Heleno.
O processo
O ministro Alexandre de
Moraes, como relator, foi o primeiro a registrar o voto sobre o
caso. Na sequência, apresentam o voto os demais integrantes da Primeira Turma
do STF, do mais novo para o mais velho, mas terminando no presidente da Turma:
Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Caso haja maioria pelo aceite
da denúncia, os denunciados se tornam réus e o processo segue para as demais
fases, incluindo o julgamento deles.
O núcleo com denúncias
julgadas nesta fase inclui: Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência
(Abin); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança
Pública do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI); Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da
Defesa; Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil; e Almir Garnier,
ex-comandante da Marinha do Brasil.
Na terça, a sessão foi aberta
pelo presidente do colegiado, ministro Zanin. Depois disto, foi a vez de
Moraes, relator do caso, ler o relatório da apuração. Na sequência, o
procurador-geral da República, Paulo Gonet, manifestou-se por cerca de 30
minutos.
Os advogados dos denunciados apresentaram as defesas ainda pela manhã. À tarde, houve votações de questionamentos pontuais das defesas – todos rejeitados.
Texto: Manoela Alcântara e Pablo Giovanni / Metrópoles