A polêmica envolvendo a mudança da Pinacoteca de Piracicaba – e também a biblioteca municipal e, até já se fala, o Instituto Histórico e Geográfico – para o Engenho Central envolve múltiplas questões, para além do fato em si.
A primeira, para aqueles que vêm se organizando numa frente contra a decisão da atual administração, me parece ser entender que existem razões políticas para a iniciativa. Todo prefeito deseja ficar marcado, em sua gestão, por uma obra que o distinga dos anteriores e, se possível, dos que o seguirão. Transformar de vez o Engenho Central em um espaço de cultura na cidade, se viável e simples fosse, com certeza marcaria a gestão Luciano Almeida de forma efetiva, já que seu governo atual patina até agora na mediocridade e na falta de competência até para o cotidiano mais corriqueiro. E em termos de marketing, o secretário de cultura é um especialista extremamente competente, antevendo, provavelmente, o quanto tal projeto poderia trazer de dividendos políticos quando concluído. As articulações de apoio vão para além de grupos ou pessoas que se interessam por cultura, por memória, por preservação do patrimônio, creiam. Daí trazer a opção da Polícia Federal para ocupar o espaço da Pinacoteca, que ficaria disponível, e não outra instituição qualquer.
Ocorre que transformar o Engenho Central num espaço múltiplo de cultura custaria muito caro, se realmente ocorresse dentro das exigências mínimas e razoáveis de adequada conservação de acervo, reforma de instalações, trabalho de consultoria para transferência, segurança, oferecimento de novas alternativas de acesso à população, aumento de funcionários para ampliação de horários aos finais de semana quando maior quantidade da população visita o local, etc. Se fosse simples assim, o Engenho já teria se transformado pelo projeto – cujos documentos mereciam ter sido preservados, se é que não se encontram em mãos de alguém que deseja permanecer incógnito – de Oscar Niemeyer, à época da administração João Herrmann, ou até mais tarde, com as sugestões do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que assinou projetos de residência na cidade e apontou as potencialidades do Engenho Central. Se não ocorreu, não foi por falta de visão de tais administradores municipais à época, mas sim pela sua capacidade de verificar que, para além de sonhos e vontade, existe a necessidade de recursos vultosos para tanto.
Outra questão que envolve o desmanche da Pinacoteca, já que as preocupações em torno de sua transferência passam também por sua finalidade, preservação de acervo, curadoria, etc, é dos familiares de artistas cujas obras se encontram ali reunidas. Não são apenas obras premiadas em salões ou adquiridas pela municipalidade, mas também obras doadas, que foram incorporadas sob os mais diversos modelos ao patrimônio local, seja em forma de lei, de doações formalizadas pelas famílias, ou simples conversas baseadas na confiança aos gestores da época. Não são poucos os familiares destes artistas, já falecidos, que se angustiam pensando no que será feito destas obras e se lamentando por doações anteriores. O fato é que toda doação de acervos envolve esse risco, não raro transformado em realidade neste país pouco institucionalizado – alteram-se os gestores, desconsideram-se os acordos anteriores e os compromissos somem com o tempo, pouco importando com o que representaram à época em que foram firmados.
No entanto, numa Piracicaba adormecida e cada vez mais reacionária, há que se admitir que o projeto municipal conseguiu mexer com parte da população. Quem sabe, tendo que reagir à força dos fatos, a cidade reencontre parte de sua história e envolvimento com a cultura. Essa é uma novela que ainda testará – e muito – a capacidade de articulação, união e luta dos que são a favor e contra a mudança da Pinacoteca, entendida apenas como o centro de um projeto muito maior.
Assina: Beatriz Vicentini via Facebook
Foto: 50º Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba /Pinacoteca